Wednesday, November 08, 2006

O Cartoon e o Início do séc. XXI

Por: Osvaldo Macedo de Sousa
CONCLUSÃO

Algumas coisas aqui foram ditas e muitas ficaram por dizer. Cada país é um caso, é uma vivência diferente, e aqui procuramos os pontos mais comuns a todos. Falou-se de alguns problemas censórios; falou-se de alguns constrangimentos à liberdade de opinião; falou-se de algum desinteresse das pessoas pela intervenção cívica humorística, pela expressão irreverente do pensamento.
Muitas questões ficaram por abordar. Por exemplo, será que as novas gerações de cartoonistas têm bagagem cultural e jornalística para questionar de forma satírica os actos políticos e sociais? Ser Cartoonista editorial, para além de ter de ser um jornalista de sínteses; um artista do design de comunicação; um sociólogo visionário em irónico sobreaviso deverá ser uma mini-enciclopédia de culturas (metafóricas e alegóricas), de conhecimentos políticos e noticiosos.
Será que o cartoon consegue ainda motivar o público? Hoje a educação deficiente no âmbito cultural e filosófico dos jovens, fará perigar a “construção” de novos leitores? O número de publicações humorísticas é cada vez menor, principalmente no mundo dito democrático. Parece contraditório, mas este género de periódicos floresce mais nos regimes de opressão que em liberdade. É o espírito de sobrevivência que luta em desespero pela humanidade?
Será que o lado pedagógico do Cartoon deverá ser repensado nesta sociedade de intolerâncias? O Cartoon terá a obrigação de estudar melhor os lados opostos, para que ao mesmo tempo que critica, concilie culturas, harmonize tensões? Terá que ter em atenção que já não fala apenas com a comunidade local, mas com o planeta global?
Para da exposição “Cartoons para a Paz” da ONU, Plantu escreveu. «Os caricaturistas são muitas vezes postos em causa pela causticidade dos seus desenhos, o que é normal; mas nestes últimos anos apercebi-me que há um bloqueio entre as duas culturas opostas: a do Ocidente e a do Oriente, resvalando cada uma para a sua “capelinha”, de forma inconsciente ou não. Frequentemente, os desenhadores têm um anglo de ataque unilateral: o trabalho do caricaturista torna-se mais próxima à militância que à de jornalista. /…/ Acho que apesar de deverem continuar a ser cáusticos, agressivos e incisivos, tudo deveria ser feito sem ódios e sobretudo sem desprezo contra convicções religiosas de crentes ou dos não crentes. Claro que não se trata de uma regra moral a instituir, porque isso é contrário aos hábitos dos caricaturistas, mas somente uma maneira de pensar o nosso trabalho de um ponto de vista mais jornalístico. Que os desenhadores que têm a vocação de blasfemar continuem como querem. Eu desejo apenas que reflictam sobre a maneira como certos desenhos possam ser ressentidos em Beirute, em Paris ou Jerusalém. Já não estamos no início do séc. XX, época durante a qual os artistas-desenhadores davam livre curso aos seus pensamentos libertários ou anarquistas contemplando o seu umbigo. Bem-vindo ao mundo da Internet…»
A queixa que mais ouço dos cartoonistas, está relacionado com a prepotência de editores que lhe tolhem a sátira empurrando-os para a ilustração. O Cartoon editorial, ao ser um jogo de metáforas, de alegorias onde o comentário obriga a pensar, torna-se uma ameaça nesta sociedade de consumo de pré-fabricados. É um mundo de contrastes fortes a preto e branco, e não de sombreados e aguadas como é a escrita dos editores, dos comentadores. Um editorial, uma crónica não questiona, afirma, enquanto que o cartoon alerta. As pessoas não recortam um artigo para colar no placar ou no frigorifico, mas fazem-no com um cartoon… Por isso, neste mundo acelerado, onde os senhores do poder não querem que pensamos, há um pavor da imagem que possa inflamar opiniões, susceptibilidades, regalias adquiridas de quem está a controlar.
Perguntei se tinha havido mudanças na forma da sátira ao longo dos anos, mas a pergunta deveria ter sido se o jornalismo não terá mudado ao longo das últimas décadas. Ainda há informação objectiva, ou apenas opiniões de líderes de opinião? Há jornalismo de investigação, ou apenas tesoura e cola de textos de agências noticiosas? Nesses eventuais contextos, não será que o cartoon editorial (não o dos gags humorísticos) é incomodo para editores, para administrações mais interessadas em questões económicas, do que em intervenção jornalística?
No economicismo actual, o Cartoon dá “lucro? Alguns acham que sim. São cada vez menos, mas há periódicos que gostam de ter uma marca própria, um traço gráfico, uma opinião exclusiva que o diferencia. Hoje em dia, no mundo da globalização, ter um registo local, um reflexo específico de gosto irreverente para os seus leitores é quase um luxo e, por isso, muito importante.
Mas a maioria não quer ser específico, quer ser global. A maioria pressionada por números; acham que o Cartoon não dá lucro. Apesar de hoje em dia os publicitários desejarem fazer humor, as empresas têm muito medo deste estilo, e não apostam em jornais de humor.
Nesta era de “stand-up comedy”, todos acham que têm piada, e raros são os que têm humor. Muitos editores, também se acham engraçados, querendo impor os seus gags a desenhadores. Se eles acham que podem fazer isto na brincadeira, porquê pagar um ordenado a um cartoonista exclusivo, a um fazedor de “bonecos”? Por outro lado a economia de mercado fez despoletar o nascimento de múltiplas agências (Syndications) de desenhadores, que oferecem a preço de saldo, cartoons para todos os gostos. São baratos, não incomodam (se foram publicados em centenas de jornais, não é no meu que vai incomodar), enchem os espaços para os desenhos, são politicamente correctos…
Será errado dizer que o Cartoon editorial está em crise? Ou deveria dizer que a imprensa escrita está em crise? Isto é um ecosistema, e por muito que os jornalistas da escrita não queiram, a doença de um afecta a todos.
Não acredito que o Cartoon editorialista possa morrer, porque por cada cartoonista que desista, outro se levanta. Não nos podemos esquecer que se há jornalistas assassinados por investigarem a corrupção, a prepotência…também há vítimas no campo do cartoonismo. O palestiniano Naji Al-Ali é um símbolo de muitos outros que foram assassinados por ter ousado desenhar factos incómodos. O turco Turhan Selçuk é outro símbolo de resistência na tortura, a qual o levou á cegueira dos olhos, mas não das ideias. Como escreveu Wagner Passos, o cartoonista deve-se «impor sempre e nunca se entregar. Se o jornal demitiu o cartoonista, ele que utilize as mesmas páginas do jornal, pegue as folhas velhas, e faça um cartoon em molde vazado e saia a pintar as ruas. Um artista nunca se cala. Se aceita a censura ele está morto, apesar de seu corpo estar vivo. O poder chega transmitido pelo dono do jornal. Se tu és cartoonista e também dono de um jornal, o poder chega através das empresas que te patrocinam e são pressionadas pelo governo, pela igreja, ou por empresas maiores. Mas o jeito é pensar em formas alternativas. Existe muita corrupção no mundo, muito mais do que aparece nos media, muito mais do que acreditamos que exista. E todas as formas de corrupção e de ilegalidades, estão interligadas, desde o desvio de verbas, até ao tráfico de drogas e armas em guerras».
Não queremos acabar com ar fatalista. E curiosamente se este por em questão do Cartoon na Sociedade Contemporânea surge da questão das caricaturas de Maomé, uma das esperanças do cartoonismo está precisamente nos países muçulmanos (não apenas na Turquia e Irão, mas em muitos outros países), ou nos ditos em desenvolvimento… onde o humor tem sido uma arma de sobrevivência, uma arma para lutar pela liberdade de expressão, pelo progresso.
Dou a palavra a Stane Jagodic - «É no entanto encorajador, que o pensamento satírico faça incursões no mundo islâmico, tal como acontece nas exposições de cartoons realizadas em Istambul e Teerão. De ano para ano, os Turcos e os Iranianos estão a tornar-se melhores cartoonistas, não só na área do humor, como também na sátira. No aperfeiçoamento estético dos seus desenhos e na profundidade das suas ideias, superam por vezes as façanhas da sátira europeia. O catálogo, ou mais precisamente, folheto de uma exposição de Istambul, contem um cartoon bastante mordaz acerca do clérigo católico, cuja farpa estava inflexivelmente dirigida ao Vaticano – no entanto, nenhum europeu fez qualquer protesto acerca desse desenho. Posso referir que consegui inserir uma fotomontagem, nos catálogos de Teerão e Istambul, que não foi aceite em alguns Festivais de Cartoon europeus, conservadores. No júri destes Festivais, que felizmente não representam a maioria, o mito do cartoon “meloso” de Walt Disney ainda é forte»
Enquanto houver um sorriso inteligente, poderá haver esperança!!!

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