Wednesday, November 28, 2007

HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL (parte 2)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

A CARICATURA POLÍTICA EM PORTUGAL

O espirito do grotesco e do caricato no povo português desenvolver-se-à mais facilmente na palavra do que na imagem. Seria na poesia trovadoresca satírica, nas cantigas de escárnio e mal dizer ou nas farsas que esse espirito encontraria melhor acolhimento. O nosso povo tem a lingua afiada, pronta a criticar, a cobiçar, a pôr ao ridiculo todos aqueles que fogem à mediania, ou que põem em risco a passividade das suas vidas.
Foi também pela palavra representada que nasceu o primeiro grande satirico português, o dramaturgo Gil Vicente. Nas suas obras, a sociedade, o poder, a igreja, a vida e a morte são retalhadas, desmascaradas como nunca tinham sido, nem seriam tão cedo.
Gil Vicente foi uma estrela efémera, e mesmo que tivesse havido uma intenção de desenvolver uma faceta humorística, satirica na cultura portuguesa, a implantação da Inquisição viria a cortar o riso a todo aquele que se revelasse contra o poder, contra a ordem estabelecida. Para a 1greja o riso passou a ser um elemento diabó1ico para subverter a sociedade, e portanto condenável.
A Igreja, como rainha sobre reis, ditadura sobre as ditaduras, foi a castradora da inteligência, da criatividade, da liberdade dos povos. A lnquisição, para o português, não foi só o massacre de judeus, ou pseudo-judeus, o roubo de bens, a destruição do progresso e da cultura, mas também a destruição de um espirito satírico. Foram séculos que castraram até hoje a alma de um povo.
Calaram-se então as vozes mais sonantes da cultura, enquanto o povo, na capa do anonimato, da multidão silenciosa, foi desenvolvendo os subterfúgios para não morter sufocado, foi desenvolvendo as fórmulas possiveis de sátira. Sussurtando e desenvolvendo nas tascas e vendas o anedotário, esboçando sátiras na iconografia decorativa das artes populares, na cerâmica, nas figurinhas dos presépios, no azulejo, nos jugos, nas proas dos barcos, no triste fado… ridicularizando dessa forma o dia-a-dia do seu semelhante, foi a única forma de lutar contra as prepotência dos senhores, O grotesco escondia então o caricatural, a ingenuidade a sátira. Por essa razão o português consegue maior dose de humor nos peridos de opressão, de ditadura.
Seria nos finais do século XVII que de novo o humor ganharia condições para se desenvolver como critica, opinião, numa sociedade que procurava o progresso. Essa abertura verifica-se pela lmprensa, o suporte mais importante em toda a história do humor caricatural.
O folheto de cordel, os papeis volantes, foram um complemento ao trabalho desenvolvido pelas academias de arte que tinham descoberto a arte do 'jocosério', em jogos "humoristi”. Esses folhetos, sendo mais jocosos e menos « sérios», divulgaram-se pelas camadas menos letradas, perdendo a arte em estilo, ganhando em agressividade satirica.
Os primeiros folhetos foram aparecendo, pontualmente ao longo do .século XVIII, aliando-se a esses impressos escritos, gravuras a vulso, desenhos com um cunho satírico cuja intenção caricatural já é incontestável, apesar de nem sempre atingirem os objectivos propostos. São desenhos que em princípio criticam a situação política nacional, mas por serem trabalhos de artistas estrangeiros adaptados, sente-se um certo desfasamento, uma incapacidade de satirizar realmente os govemantes.
A gravura era uma arte incipiente no nosso país, quase ignorada pelos artistas plásticos, mal apreendida pelos nossos artesãos, não podendo senão viver da adaptação de obras estrangeiras importadas, ou da exploração da veia satírica popular, grosseira e rudimentar.
A gravura erudita que se fazia, com um ou outro artista de melhor qualidade, era essencialmente simbó1ica, com predomínio de temas religiósos. E é no âmbito desta gravura erudita que descobrimos a primeira estampa «caricatural» criada por um artista nacional. É de Vieira Lusitano, feita a cobre, criada como ataque ao escultor espanhol Felipe Diogo de Castro, como «desafronta da própria honra, ou represália de ingratidões recebidas». É um exemplar único de sátira erudita.
O desenvolvimento destas gravuras populares, é uma consequência da evoluçao do aparecimento da imprensa em Portugal. Contudo datar o nascimento da Imprensa em Portugal não será pacífico, apontando uns a data de 1625 com as 'Relações de Severino de Faria", indicando outros 1641 com a "Gazeta em Que se Relata as Novas Todas Que Houve nesta Corte e Que Vieram de Várias partes no Mês deNovembro de 1641".
O mesmo poderá acontecer com a Caricatura na Imprensa Portuguesa, porque já antes de 1847 (há mais de 150 anos) surgiram desenhos satíricos impressos, contudo os factores periodicidade, encadeamento e conteúdo específico levam-me a datar 1847 para a Caricatura, e 1641 para a maioria dos historiadores da Imprensa.
As “Relações" eram folhas publicadas sem regularidade, e apenas para relatar de quando em vez um acontecimento importante. A "Gazeta" era já uma publicação mensal com noticias varias e sistemáticas. Entre estes dois géneros haviam folhas volantes (Normalmente panfletárias, e onde a gravura teve grande importância), anúncios oficiais e privados...
Quem tinha acesso a este meio de comunicação era o restrito núcleo de alfabetizados (e seus correligionários a quem eles lhes liam as novas), ou seja senhores do poder, das leis, da intelectualidade, que dessa forma cada vez mais fácll, podiam divulgar o que lhes convinha.
Os Reis e governantes de imediato sentiram a força dessa "arma" e logo em 1627 (26 de Janeiro) Filipe III impõe severas restrições ao uso da Tipografia, secundado em 1643 por D. João 1V com novas regulamentações, colocando-a quase como privilégio régio.
Para além da evolução dos processos tipográficos, a melhoria das comunicações e das relações postais levaram a um aumento do interesse público, e a uma certa proliferação de "Gazetas" e outra imprensa. Testemunho dessa evolução, e adaptação governamental, está a criação a 5 de Abril de 1768 da Real Mesa Censória, não apenas para livros, mas para toda a imprensa.
As limitações à Liberdade de expressão será uma constante da nossa imprensa, como foi uma constante da nossa história. Os nossos dirigentes, com a intolerância cató1ica como base de religião de estado, conseguiu ao longo de séculos subverter a mentalidade do povo, enclausurando-o num "provincianismo" e "tacanhez de espirito" como triunfo da moral, da ordem, da "paz social", dos "brandos costumes".
Utilizando a Inquisição, e demais formulas policiais, conseguiu-se refrear o espirito aventureiro que nos lançou para novos mundos, conseguiu-se castrar o espirito inventivo que nos tinha colocado nas vanguardas técnicas. O belo jardim à beira-mar plantado estava de costas viradas para a Europa, encerrando-se numa nostalgia sebastianista e fadista, conservadora e aterrorizadora, lutando contra as inovações, através da desinformação e deformação em que a Censura foi arma fundamental.
Com tudo isto a imprensa sofreu, e os diferentes saltos evolutivos foram-se verificando em certos momentos de abertura, ou por acção de estrangeirados. Naturalmente seriam as invasões francesas, seguidas pelas guerras liberais que dariam a grande reviravolta na Imprensa Portuguesa.
Estes impressores, e gravadores eram fundamentalmente artesãos anónimos (naturalmente havia um responsável do jornal que tinha que dar a cara perante o Estado, a Inquisição) que procuravam veicular o sentimento popular de revolta contra o poder. É dentro desse lote de trabalhos que está certamente o célebre desenho, descrito por alguns historiadores, que apareceu colado no muro do Paço da Bemposta, aquando da fuga de D. Joao VI para o Brasil. Nesse desenho via-se o rei, de pernas tortas e cornudo, sendo insultado pela nação miserável, abandonada e traida por aquele.
A critica popular, que já encontramos nessas artes rudimentares do povo, insuflou-se com os ventos liberais. Nas guerras napoleónicas os trabalhos graficos ingleses e franceses tiveram maior propagação cá, como campanha e contracampanha das forças em litigio, instigando o povo ao humor crítico, à sátira panfletária.
A violência politica, a instabilidade dos regimes e da liberdade de pensamento, reflectia-se na vida da sociedade como defesa radical das posições, para as quais a Imprensa foi um importante suporte. A hist6ria da produção jomalística a partir do século XIX será a história da tolerância ou intolerância, da liberdade de imprensa ou a castração pelas «leis das rolhas». Significativo desta dependência podem ser os números seguintes: em 1836, período de liberdade, há 67 jomais em 1850, com a implantação da «lei das rolhas», desce para 15 os jornais publicados.
Como breve viagem pela legislação neste principio de século na questão de Liberdade de Imprensa defendida pelos Liberais, podemos dizer que logo a 21 de Setembro de 1820, uma Portaria do Govemo Provisório regulamente a Censura Prévia, criando alguma liberdade de Imprensa, sem aderir plenamente aos ideais liberais de total liberdade. Contudo a 20 de Março de 1821 surge o Decreto que extingue o Tribunal do Santo Oficio, e a 4 de Julho de 1821, segundo projecto de Soares Franco, é abolida oficialmente a Censura Prévia, e regulamentado o exercicio da Liberdade de Imprensa. A 23 de Setembro de 1822 é promulgada a primeira Constituição Portuguesa, na qual se defende a Liberdade de Imprensa.
Dentro do pr6prio grupo Liberal se encontram varias clivagens de opinião quanto à necessidade ou não da existência de controle sobre a Imprensa, complementada pelos absolutistas incondicionais apoiantes da existência, e dessa forma se verificará um constante rodopio legislativo, ou de utilização da opressão ao longo dos anos.
Deste modo a 2 de Junho de 1823, com a Vilafrancada regressa a repressão, com confirmação legal a 6 de Março de 1824, restituindo à Censura as restrições da lei de 17 de Dezembro de 1794.
A 29 de Abril de 1826 a Nova Carta Constitucional impõe a Liberdade de Expressão, Pensamento e de Imprensa, com referência à proibição a qualquer espécie de Censura. Contudo a 18 de Agosto de 1826 surgem "Instruções" para reprimir "abusos". Haverá posteriormente decretos a 23 de Setembro de 1826, a 20 de Junho, 17 de Agosto e 13 de Setembro de 1827, assim como a 16 de Agosto de 1828 que criarão um Comissão de Censura, e limitações ao direito de impressão. As restrições não visavam apenas o conteúdo, mas também a autoria, ou a propriedade das obras impressas.
A 28 de Agosto de 1830 a Regência da Terceira liberaliza a Liberdade de Imprensa, e a 22 de Dezembro de 1834 Decreta-se a total Liberdade de Imprensa, legalizada na revisão Constitucional de 4 de Abril de 1838 , onde se determina que “todo o cidadão pode comunicar os seus pensamentos pela Imprensa ou por qualquer outro modo, sem dependência de Censura Prévia”.
Existem diversos jornais de burlesco, onde cada facção procura denegrir o mais vilmente os que não pensam como eles. Verificamos que pelo menos desde o princípio do século, e principalmente depois da vitória dos vintistas que introduziram a litografia, a gravura satírica ganhou em Portugal um espaço, 'medíocre' esteticamente, mas fundamental como arma política. Na realidade a caricatura, ou o humor satírico sempre foi mais forte em Portugal pelas letras que pelo desenho (hoje verifica-se o contrário), e a caricatura jomalística desenvolve-se primeiros pelas letras noticiosas, e só depois se aventura na imagem.
1834 será a grande viragem e salto qualitativo na nossa imprensa. Para alem da má qualidade de papel, havia má qualidade de impressão com prelos em madeira, muitas das vezes portáteis. Em 1835 surgem os primeiros prelos mecânicos, e a litografia vai substituindo a gravura em madeira (as primeiras gravuras na nossa imprensa datam de 1716). Em relação à sátira gráfica verificam-se várias experiências, fundamentalmente com a importação de gravuras, as quais eram adaptadas e traduzidas para a nossa realidade, e distribuídas normalmente como Folhas Volantes. De 1837 temos referência de um jornal intitulado "A Caricatura", onde o burlesco caricatural é literário, e não temos conhecimento de ter incorporado qualquer gravura, mesmo em folhas soltas.
Nesse ano o jornal "Arquivo Pitoresco" publica desenhos de Hogarth, provenientes da revista “Penny Magazine" de Londres (importação essa que continuaria nos anos 50 pela mão de "O Panorama").
Em 1842 Costa Cabral ao tomar o poder, restaura a Carta, e decreta a Censura Prévia numa opressão reciproca ao aumento da sua impopularidade. De 42 a 48 publica-se o jornal “A Macaca” onde eram inseridas folhas satíricas numeradas.
Sobre o aparecimento da caricatura na Imprensa temos um testemunho de Rocha Martins publicado em "Os Serões" (de Setembro de 1909) que nos diz:

"Do tempo dos franceses a EI-rei D. Fernando"

A caricatura deve ter nascido na hora em que o homem sentiu a vontade vingadora de mostrar o seu semelhante exteriorizando-lbe os defeitos e castigando-o em traços que fossem ao mesmo tempo rasgões d' armas afiadas e bordoadas arlequinescas de matracas cómicas e ruidosas. A essa ânsia de troça não escaparam nem os deuses nem os lmperadores; as faces imortais alargaramse, cresceram, tumificaram-se e os vultos augustos e sagrados apareceram de pés de cabra e orelhas de burro com que os artistas, mesmo nas mais remotas idades, se vingaram dos dominadores. Desde Antriphilo, metido nas enxúndias d'um suíno até Napoleão encarnado na Besta da Apocalypse, desde as macabras exibições de Goya ás endiabradas cargas de Gavarn, desde D. João VI minotaurisado até ao Sr. José Luciano em fraldas, a caricatura tem marcado com o seu ferrete contundente e guisalhante, os crimes, os maus actos, as tranquibérnias, as afectações, besuntado com irreverências castigadoras as faces mais celebres, não poupando, não transigindo, não se curvando. A caricatura é das artes a única que não pode ajoelhar diante dos poderosos; é aqueles que não pode viver senão ridicularizando; a única que ficou filha da revolta e eternamente revoltada como no seu inicio, sem o amoldado fácil da literatura, da musica, da poesia, da escultura que bastas vezes sagram em apologias, em hinos, em odes, em monumentos aqueles que a caricatura abexigou com maior justiça.
Enquanto historiadores graves, pintores famosos, poetas celebres, escultores distintos e inspirados músicos celebravam os dotes do senhor D. João VI, as bondades e virtudes do príncipe fugido para o Brasil n' um êxodo realengo e cortesanesco, diante dos franceses invasores, aparecia nos muros do paço da Bemposta uma caricatura - uma das mais antigas de Portugal - onde o marido de Carlota Joaquina aparece de pernas tortas, barriga saliente, a cabeça com os apêndices do demónio n'uma caraça de ruminante de cuja boca saia uma frase caracterisadora e uma alusão aos 200 milhões de cruzados que se dizia tinham ido na armada com a côrte acobardada e foragida. À esquerda surgia a nação com uma perna de pau e nasua frente o exército, os empregados, os operários, os ricos exclamavam: «O meu soldo, o meu ordenado, o meu salário, as minhas tenças!» A nação, segundo uma bandeirola que lhe saia da boca, dirigia-se ao príncipe n'estes termos bem pouco respeitosos: Ouvi, cruel, a voz dos vossos filhos. 0 que levas não é teu. És um ladrão. Ficamos pobres e infamados! Aparecia ainda uma fileira de frades e de lobinhos, n'uma alusão aos Lobatos, favoritos de D. João; o seu conselho privado e a Inglaterra de gorro d'algodão, bradando: Vamos ! Vamos ! Por detrás do conselho estava escrito: Se veem os 200 milhões, de Londres não voltam. Bela ocasião para zombar dos credores. Nada de satisfações e que se regalem com os franceses! No alto do papel havia o seguinte dístico: A nação mais valorosa, mais fiel e menos resluta !
Tal é a primeira caricatura portuguesa em que se castiga um soberano n' uma explosão de cólera e com uma risada galhofeira. Em pleno domínio dos franceses o ridículo das caricaturas secretas ia atingir Napolão, Josephina, os reis da casa imperial como n'uma celebre estampa, intitulada o Dragão e a Besta, na qual se dá á imperatriz dos franceses o nome com que lhe castigavam algumas das suas escapadas amorosas do tempo de Barras, e nas caleças de viagem do período das vitorias na Itália. Há n'essa estampa, com um ódio profundo, uma superstição marcada e uma sátira terrível que a expressar-se n'uma gargalhada seria áspera, sarcástica, epiléptica. Muitas outras se espalharam, pelo país e em 1809 aparecia uma que representava Bonaparte de jornada para o inferno. O imperador lá vai, de espada nua, encavalitado no demónio, mais feio que é possível imaginar, com as suas asas de morcego, o rabo em fouce, a bocarra aberta, carregando para o seu antro aquele que devia ainda, em Santa Helena receber pelos jornais os insultos que a caricatura de todo mundo lbe enviava.
Quando D. Miguel reinava também n'uma meia caricatura se troçavam os constitucionais. O rei, com o seu belo rosto, sagrado por um anjo que lhe trazia a corôa, protegido pela Virgem, que do céu olhava, nada tinha de caricatura, antes estava mais aformoseado; mas, em compensação, por debaixo do trono três desgraçados constituicionais hediondos, um d’eles com orelhas asininas, outro com a trolha dos pedreiros livres, o terceiro de guedelha hirsuta, eram bem caricaturais segurando o seu letreiro onde se lê:
Pedreiros livres
E malhados
Debaixo do trono
São esmagados
A caricatura, porém, só chega a um certo desenvolvimento em Portugal, quando os jornais se atrevem a publica-la, após a implantação do constitucionalismo que fora celebrado em gravuras lisonjeiras e alegóricas nas quais D. Pedro salvava o país - um barbudo vestido d’arnez - partindo-lhe os grilhões avassaladores e D. Miguel aparecia calcado aos pés do irmão como um demónio sob o arcanjo vingador. Era a represália das orelhas de burro com que se tinham restituido a alguns dos constitucionais as suas primitivas formas tanto pelo símbolo da sua inteligência como pela fúria com que depois entraram a escoucinhar na liberdade. A D.Pedro em vez de caricaturas fizeram cantigas revoltantes e apatacaram-no em S. Carlos outros demolidores mais práticos, mas D. Maria II e seu marido, D. Fernando, que também fez caricaturas, sofreram os rudes embates d’essa arte que começava a surgir nas paginas iconoclastas dos jornaes.
No Procurador dos Povos, folha volante, um tal Filgueiras traçava, embora sem vigor, pálida, desengonçadamente, os perfis dos soberanos. 0 rei era um nabo muito alto, fardado de marechal; a rainha uma mulheraça gorda que quase sempre se parecia e muito com D. Maria II.
Após a batalha de Torres Vedras lá aparece na janela do paço saudando um cortejo ratão que desfila grotesca e singularmente e D. Fernando entre os ministros, n’uma outra página, está todo empertigado com a sua cabeça vegetal n’uma irreverência de tal ordem, para o tempo, que chega a admirar. Então aparecem outros artistas quase todos assinando os trabalhos com pseudónimos ou com simples iniciais não indo, na peugada do primeiro, avançando de dia para dia a audácia das legendas que devia chegar ao máximo após o Cabralismo em 1846. Referindo-se a expulsão dos frades dos seus conventos há uma caricatura com o seguinte titulo: Os roubados pedindo esmola aos ladrões ! D’um lado estão os religiosos de mão estendida, do outro a ministralhada radiante. Portugal era já representado n’esse tempo por um esqueleto a que se vestia um resto d’armadura e quase sempre aparecia a pontapear ministros em curvaturas pastuscas, de tíbia vingadora. Alguns artistas punham os caricaturistas apenas com deformações nos corpos, conservando-lhes os rostos ou para serem assim bem conhecidos ou por deficiências de poderem marca-los nas disformidades de traço o que são a base da caricatura.
As impertinâncias choviam: o ataque era constante e, apesar do grosseiro trabalho, algumas d’essas paginas teem graça pelo arrojo e pela intenção, pelo singelo e inexperiente traço com que se procurava ferir aqueles que não cumpriam os seus deveres e que os jornais muitas vezes, cheios de receio, poupavam. É n’esse periodo que começa a afirmar-se a caricatura política mesmo no estrangeiro, como uma arma de rebelião com que a França ia preparando um pouco a sua república de 48, depois de ter perfurado as enxúndias de Luóz XVIII, a côrte beata de Carlos X e o burguesismo de Luíz Filippe.
Chega-se ao máximo do arrojo; os reis passam a ser do domínio comum desde que transigiram e os grandes personagens, mascardos com os seus defeitos faziam rir despegadamente o povo.
Segundo Teixeira de Carvalho ( in “Arte e Vida” nº 5 em 1905) " A caricatura levou tempo a aclimar em Portugal. Foi importada do estrangeiro nas gravuras que o movimento de ilustrações popuIares, que começa a notar-se na Imprensa portuguesa por 1837, vulgarizou no nosso pais. /.../
/.../ Há mais de uma gravura, cuja intenção caricatural‚ inestimável e que se refere á vida politica portugueza, antes das luctas da invasão napoleónica; mas são de artistas estrangeiros - /.../ que, nem indirectamente pela acção sobre artistas nossos, influiram no movimento da arte nacional.”
"/.../ Poucas, e sem valor, são as caricaturas relativa à invasão napoleónica, que foi tratada tão magistralmente pela caricatura inglesa. Os retratos de Napoleao, e a figuração da sua arvore genea1ógica, espalhados por Portugal, têem o aspecto caticatural pela sua inferioridade dos artistas que as executaram. Encontramos um arremedo leve de caricatura nas façanhas do nosso exímio artilheiro João Farinha, e nos desenhos das "bravuras" dos nossos soldados de cavaleria contra os soldados franceses, grito de glória que a inexperiência converteu num motivo caricatural."
" Alguma caricatura de valor que aparece é copia de trabalho estrangeiro." ,
“ É necessário chegarmos ás lutas liberais para vermos aparecer a caricatura política em Portugal."
"N’esse longo período de luta, a caricatura nasce e desenvolve-se. Cria-a o povo. É na industria popular que aparece, na literatura de cordel, na cerâmica patriótica de que restam tão raros exemplares."
"/.../ Os desenhistas desconhecidos, que assinam, quando assinam, com pseudónimos, não eram artistas, eram apenas pessoas em que se reconhecera habilidade para fazer um retrato semelhante de um adversario político."
“/.../ 0 insulto, as alusões caluniosas á vida privada, que nem a honra da família respeitavam, e que desenhavam pacientemente com o tracejar delicado d’um miniaturista, para tornar bem conhecidas as figuras femininas, a quem se faziam as acusações mais torpes, sem respeitar-lhes o caracter de esposas e de mães, tudo é caricaturado n' essa época agitada da luta á mão armada nas aldeias, como nas ruas mais populosas da cidade".
Se vamos encontrando gravuras satíricas desde o princípio do século, algumas já de autoria nacional, porque não coincidir o nascimento da caricatura com essas gravuras ?

Monday, November 26, 2007

HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

“Fazer rir é já alguma coisa, mas, fazer rir aos outros é mais do que um talento. É quase uma caridade.”(Leal da Câmara)

INTRODUÇÃO
Do Humorismo, Da Caricatura

Antes do mais será conveniente esclarecer que utilizo o termo Caricatura, no âmbito francofono que engloba nesta designação todo o desenho de imprensa de cunho humorístico-satirico, termo esse que os anglo-saxões substituiram por Cartoon.
Definir Humor, Caricatura, Cartoon é algo ingrato, já que o acto de definir é muito controverso, e em campos em que os estudiosos nunca chegaram a acordos, ainda o é mais. Antes do mais é uma forma de comunicar, onde a estética se aliá a um grão divino de inteligência.
Comunicar é um sistema intrínseco á sobrevivência do homem, e de todos os animais. É nessa estrutura de transmissão de conhecimentos, de informações que depende grande parte da sua sobrevivência, e evolução.
O Homem, ao contrário dos outros animais, não só desenvolveu esse código de comunicação, como procurou criar um sistema de arquivaçao desses conhecimentos, dando-lhe oportunidade de os primorar, diversificar, e codificar.
Do sistema primário de comunicação geral, passaram para um sistema de comunicação de grupo, e posteriormente de étnia. Do simples sistema de comunicaçao de dados e factos, desenvolveram o sistema de comunicaçao de inovações e dissertações. A criaçao da filosofia foi talvez um dos factos mais importantes na comunicação, ja que quebrou as barreiras do mundo material e real, para passar para o virtual, para o imaginário.
O homem aprendeu a utilizar a comunicaçao para serviço da sobrevivência fisica, e mental. A comunicação, como divertimento, como ginástica mental deu uma nova dimensão ao homem dentro do mundo animal do planeta.
É nesse jogo, nessa procura de dominar plenamente a comunicação, com a realidade e o imaginário, com o facto e o reflexo que surge o humor na comunicação.
O humor é o triunfo da inteligência na comunicação humana, é a vit6ria do homem sobre os factos e o imaginário, assenhoreando-se da criação pura. Pelo humor o homem passa para o outro lado do espelho, podendo-se ver na reflexão da realidade, através de uma dimensão, dita risivel, que muitas das vezes é mais dramática de jocosa.
O riso, para além da comunicação e outro elemento que dlzem estar-lhe intrínseco. Creio que se poderia acrescer a dor, e as lágrimas também, já que o humor e a forma mais séria, mais crua e cruel de ver a sociedade, de se ver ao espelho. O humor é a visão não política, não polida, não policiada do Homem… É a visão do homem após a expulsão do paraíso, em que toda a sua nudes e fraquezas humanas vêm á pele.
Voltando ao riso, este e pelo menos o lado visível do humor, e a forma mais fácil de o definir. O humor é uma formula de comunicação, de raciocínio lógico, cuja conclusão ilógica provoca a surpresa, a qual resulta numa reacção de riso, despoletando os 18 músculos corporais que o riso trabalha. Através desta reacção se afastam os medos, se exorcizam os temores do desconhecido, se desenvolve o espírito de igualdade e superioridade do homem perante a sociedade e o mundo. O riso descontrai ambientes, cura depressões… Também há o sorriso, uma forma mais polida de reagir em público, de expressar mais uma sensação irónica de superioridade social... e como escreveu Manuel Cardoso Martha "nem sempre se tem rido do mesmo modo, nem com a mesma determinante".
É que o humor, não sendo uma atitude superficial do homem, mas um elemento profundo do espírito, do raciocínio, da salvaguarda da saúde mental da humanidade molda-se à evolução da sociedade, reflecte as rupturas, revoluções, alterações comportamentais do dia a dia, dos anos, do século. Sendo uma arte de sobrevivência, é também uma arte de reflexão da hist6ria, e através dela rever, recuperar essa história vivida.
Houve sempre Humor, com esta designação, ou com outras, desde que o Homem tomou consciência de si próprio, e da sociedade em que estava inserido. Há pensadores que vão mais longe,e de uma forma ‘sacrílega’ dizem que o Humor é divino, era a ciência que estava na maçã da arvore proibída, e que ao ser ingerida abriu os olhos ao Homem para a realidade. Dizem que o riso é a chama da inteligência roubada por Diogenes. Defendem outros que as formulas da criação humorística são doze, estão todas na Bíblia, e que o Homem mais não faz que as recriar, diversificar como dádiva divina…
Na antiguidade clássica vamos descobrir entre os Egípcios o deus Bess, deus do humor. Vamos encontrar entre os hierog1ifos caricaturas, como o vamos encontrar na arte Clássica Grega e Romana, tanto na literatura, como na pintura de cerámicas, na escultura... Fala-se do célebre tratado de Aristoteles sobre a Comédia que desapareceu, para glaudio da igreja cristã.
O Humor, o Riso, a Alegria eram defendidas nas civilizações Clássicas, como o é na religião Judaica, mas a religião Cristã encarará esse elemento como satânico, como gentio, e procurará combate-lo. Tertuliano, Cypriano e sao Joao Crisóstomo lutarão contra riso, o grotesco, já que só o belo é divino, e o homem deve ser apenas copista do que deus criou. Com o progressivo controle da civilização, por parte do cristianismo, instalar-se-á uma grelha censória, que culminará na Inquisição.
Curiosamente, na dita Idade Média, que uma certa hist6ria a figurou como um periodo obscuro, foi quando o humor mais se desenvolveu, a par da implantação da Igreja, e domínio castrante do seu poder. Junto aos reis vamos descobrir o Bobo, um 'humorista', um 'satírico', um 'cartoonista' da época que servia de transmissor das realidades que o rei não via, e de crítico do que o rei nao queria ver. Foi um elemento fundamental para a salvaguarda da saúde mental da sociedade cortesã desses tempos. O povo, recuperando o mais possivel os ritos pagãos, usou o humor nas danças macabras, nas Festas dos Loucos, na arte popular, inclusive na arte de canteiro nas catedrais. Os pr6prios monges copistas, utilizm o 'humor' e a ‘caricatura' nas iluminuras dos livros sagrados, e profanos explorando o mundo simbó1ico da imagem. As gravuras e folhas volantes que corriam pelas feiras mostravam o ‘mundo ao revês’….
Com o renascimento, apesar de uma certa erudição do humor através da pintura de alguns artistas ‘surrealistas’, do teatro das farsas, da Comédia del'Arte… perde-se o impacto satirico e agressivo do periodo anterior, e o humor é cada vez mais censurado, principalmente neste canto “clerical' da Europa.
Será durante o cisma protestante que o desenho satírico ganhará importância gráfica, tomando-se arma de combate, primeiro contra os papistas, e posteriormente também utilizada por estes contra os ‘hereges'. A nível europeu, pode-se encarar aqui o nascimento do que hoje se chama de caricatura ou cartoon editorial.
Portugal, pela sua posição geográfica de extremo ocidental europeu, sempre esteve vocacionado para viver o europeismo na marginalidade. Isso fez com que os acontecimentos, os movimentos culturais chegassem, não como uma onda no auge do movimento, mas como eco retardado, adulterado… assim aconteceu durante o Império Romano, na Idade Média, na Renascença, e o nosso povo, como conglomerado de muitos povos, culturas, tradições e censuras religiosas várias, que por aqui arribaram tornou-se num povo de brandos costumes. Por falta de uma tradição de grotesco (os árabes estavam proibidos de representações figurativas); por falta de interesse na fixação em pedra do seu imaginário fantástico, por estar fora da rota das 'corporações de pedreiros livres', dominadores da linguagem iconográfica e esotérica; ou por falta de tempo para se esquecer da dura realidade da sobrevivência num território que manteve a guerra durante longo tempo, num território pobre, não desenvolveu um largo imaginário, ou uma iconografia fantástico-cató1ica paralela á realizada na Europa. Na verdade a nossa iconografia românica e bastante pobre em conteúdo e expressão, predominando as simetrias decorativas, a representação heráldica de bestiários importados. Quanto ao Gótico português, este criará o seu imaginário não no esoterismo, mas na realidade náutica, criando beleza com a crueza dos artefactos do dia a dia,
Na iluminura, o copista teria maior liberdade de inspiração, um maior poder técnico pela maleabilidade dos materiais, mas nem aí o grotesco-bestiário atingirá a dimensão fantástica de outros centros culturais.

Wednesday, November 21, 2007

André Daix O autor de BD que se escondeu em Portugal

Por: Carlos Pessoa (in Público de 16.11.2007)

Um antigo colaboracionista francês, condenado à revelia a 20 anos de prisão, viveu com identidade falsa em Portugal e deixou obra na imprensa. Há quem fale do Céline da BD

Durante anos, um pequeno mistério intrigou os estudiosos portugueses de banda desenhada: quem era o Al. Maniez que assinou histórias em jornais diários e publicações de BD entre os anos 1940 e 1970?
Até à Primavera do ano passado, ninguém sabia responder. Mas a 17 de Maio de 2006 Leonardo de Sá recebe um mail do seu amigo francês Antoine Sausverd que vai mudar tudo: "Procuro informações sobre um desenhador chamado Albert(o) Maniez que publicou em Portugal desenhos na imprensa e em publicações infantis nos anos 1950 a 1970 (...). Sob este pseudónimo esconde-se de facto André Delachanal, dito André Daix, o pai do célebre Professeur Nimbus, que fugira de França com receio de sofrer represálias [acabaria por ser condenado à revelia a 20 anos de prisão]. Tinha colaborado activamente com os serviços de propaganda alemães em Paris durante a ocupação. Refugiou-se primeiro em Portugal, depois na América do Sul, antes de regressar à Península Ibérica."
Na mensagem, este especialista diz ter encontrado um filho de Daix que lhe "mostrou documentos assinados "Maniez"" e pergunta a Leonardo de Sá "se existem bandas desenhadas assinadas com este nome em alguma publicação portuguesa".
A revelação deixa Leonardo de Sá estupefacto, que responde a Sausverd nestes termos: "Eu sabia que era suposto Daix ter "passado" por Portugal, mas se as tuas indicações estão certas, acabas de resolver um dos "grandes" pequenos problemas de identidade relativo a desenhadores portugueses ou que trabalharam em Portugal!!"
A obra de Maniez era sobejamente conhecida pelo pequeno núcleo de investigadores de que Leonardo de Sá faz parte. Em contrapartida, nada se sabia do seu autor - a irregularidade da sua colaboração, com longos períodos de inexplicável ausência, era muito intrigante - e isso explica a excitação do português ao receber o mail do amigo.
Nas semanas seguintes Sausverd envia imagens digitalizadas de recortes de imprensa disponibilizados pelo filho de Daix. "Fui atrás das publicações e passei muito tempo na Biblioteca Nacional, pois havia muitos recortes de jornais portugueses sem data nem qualquer referência de publicação", diz Leonardo de Sá ao P2. Tudo servia para identificar a origem dos desenhos e a data de publicação: o tipo de letra, as indicações das notícias ou um anúncio no verso dos recortes - "pequenas coisas malucas que faziam avançar a identificação", diz.
Colaboração anónima
Um dos desenhos, publicado pelo jornal católico conservador A Voz em 1949, foi particularmente difícil de identificar porque constituiu a única colaboração conhecida de Daix-Maniez naquele media - um cartoon sobre Norton de Matos, candidato da oposição democrática nas eleições presidenciais desse ano.
Também não foi tarefa fácil estabelecer a colaboração do artista francês (assinava Cesaro) nas duas séries do Norte Infantil (1949-53), "um suplemento raríssimo" do Diário do Norte. Outros trabalhos, como as tiras humorísticas mudas da série Uma Aventura de cada Vez, publicadas no jornal ultra-católico Novidades, não ofereceram tanta dificuldade - esta colaboração, também assinada Cesaro, decorreu entre 1950 e 1953.
Na imprensa infantil da época, o autor identificava-se como Al. Maniez - "era uma assinatura nervosa, por vezes reduzida às iniciais, outras quase incompreensível", sublinha o investigador português - e isso facilitou a reconstituição da sua bibliografia portuguesa. Colabora com bandas desenhadas no jornal Diabrete entre 1948 e 1951. Publica uma adaptação em BD de Sem Família (Hector Malot) na Joaninha, suplemento infantil da revista feminina Modas & Bordados (1949-50). Em 1949 trabalha para a Editorial Alpha e Ómega e estabelece uma relação de amizade com Ernesto Baptista, proprietário da empresa. Em 1952 assina no Cavaleiro Andante uma adaptação à BD de A Túlipa Negra, de Alexandre Dumas.
Depois disso, volta a não se saber nada de Daix-Maniez até ao final dos anos 50, quando reaparece no Cavaleiro Andante (1959-60), Jornal do Exército (1962) e Novidades (1962-63).
Figura sem segredos até ao final da II Guerra Mundial, André Daix, nome artístico de André Delachanal, desapareceu de cena em 1945 antes de ser condenado por colaboração com os nazis. Entre as suas actividades para os alemães contam-se a elaboração de cartazes, brochuras anti-semitas e outros documentos ilustrados, que assina com as iniciais A.D ou ADL. Nos 30 anos seguintes pouco ou nada se sabe dele e as informações disponíveis nas principais obras de referência estão cheias de inexactidões. Sabia-se que esteve em Espanha, Portugal e América Latina, antes de regressar, em 1974, a França, onde acaba por morrer a 27 de Dezembro de 1976, com 75 anos.
Graças à investigação de Antoine Sausverd e Leonardo de Sá - um extenso artigo foi publicado nos dois últimos números (110 e 111) da revista francesa Collectionneur de Bandes Déssinées -, foi possível preencher as lacunas da biografia de Daix, em particular a fase portuguesa.
Daix sai de França em 1947 com uma identidade falsa. Passa a chamar-se Albert André Maniez, supostamente nascido em Péré, na região da Charente-Maritime, a 12 de Janeiro de 1902. A sua profissão é "representante". Até 1948 vive na Bélgica e na Suíça, obtendo a 20 de Setembro desse ano um visto de entrada para Portugal. Passa algumas semanas em Espanha, mas instala-se de vez em Lisboa em Novembro de 1948.
Regresso a casa
Um velho passaporte encontrado nos papéis do filho ajuda a estabelecer o percurso de Daix até Setembro de 1974, quando os acontecimentos políticos em Portugal, após a queda da ditadura, o levam a regressar a França. Sem poder trabalhar oficialmente em Portugal nem permanecer mais do que alguns meses, utiliza a sua identidade falsa para se inscrever na embaixada de França em Lisboa a 13 de Junho de 1949. Renova o passaporte em 1951 e 1953, mas em 1952 parte para a Colômbia, passando temporadas na Venezuela e Costa Rica. Durante aqueles anos trabalha em publicidade e colabora com BD e cartoons na imprensa daqueles países - assina com os pseudónimos Gislo e Alberto Maniez.
O criador de Nimbus permanece na América do Sul até ao final dos anos 50, quando regressa de novo a Portugal. João Baptista, filho do proprietário da Editorial Alpha e Ómega, lembra-se dele nessa época: "Era uma pessoa muito sociável, sempre sorridente e com grande espírito de humor. De cabelo grisalho, tinha muito bom aspecto e era muito culto. Vivia sozinho num rés-do-chão da Estrada de Benfica, falava perfeitamente português e era visita assídua de casa. O meu pai sabia tudo do passado dele e ajudou-o quando ele veio para Portugal."
Leonardo de Sá considera "muito importante" o período francês da sua obra: "Nos anos 1930 e 1940, as histórias mudas de Nimbus podiam ser lidas por toda a gente e só isso justificava o seu lugar na história da BD mundial. Nimbus era conhecido em todo o mundo e foi a única BD francesa daquele tempo a ser publicada nos EUA. Mas foi também utilizada pela propaganda nazi num desenho animado contra os heróis americanos."
Todavia, o percurso português de Daix-Maniez permite revelar outra dimensão da obra. "Para quem só conhecia a parte cómica, a obra dele é surpreendente, pois em Portugal ele fez histórias sérias e adaptou romances clássicos", sublinha o investigador. "Mas Daix devia querer tudo menos ser reconhecido e o facto de mudar frequentemente de país não o ajudou a ter uma carreira continuada e coerente."
O historiador de BD Jean-Claude Faur, citado por Sausverd e Sá, coloca Daix numa linha de grandes desenhadores "muito comprometidos à direita", como Saint-Ogan, Sennep ou Hergé. A opinião dos dois autores é diferente: "O destino do nosso desenhador lembra-nos mais o de um outro contemporâneo seu. É um escritor com uma obra igualmente ambivalente, simultaneamente autor de romances célebres, mas também dos piores panfletos anti-semitas. Delachanal (também dito Daix, Duhamel, Maniez, Gislo) é o Céline da banda desenhada."

Saturday, November 17, 2007

O MODERNISMO PEL'O HUMORISMO (3ª parte)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

1912
Não podemos separar as artes do contexto revolucionário das modificações sociais durante o séc. XIX e XX. Tanto a Revolução Francesa, como a Revolução Industrial atingiram profundamente os conceitos, as ideologias, e as posturas tanto do artista como do público.
O Homem ao destruir o Antigo Regime com a Revolução Francesa, pôs em causa uma série de leis, ideologias e laços sociais que regiam até então, as relações humanas. Com a Revolução Industrial, a sociedade criou uma relação trabalho/trabalhador, capitalista/operário que nunca tinha existido. O Homem libertou-se de uma relação feudalista, do absolutismo aristocrático, dos "direitos divinos", para de novo se escravizar numa relação monetária, no absolutismo capitalista, nos "direitos económicos". Ao aristocrata sucedeu o burguês.
A sociedade em crise, que viria a sar parte da morte de Deus, é constituída por grupos de Homens que perdendo o rumo milenar das relações, partem à deriva do tempo, do espaço, da nova estrutura social. A técnica e a Industria transformaram-lhe a paisagem, a cidade, o consumo vivencial, mudaram-lhe a visão do mundo, que se transforma, que vive numa aceleração contínua, que se altera de minuto a minuto.
As revoluções tecnológicas deram o maior contributo para esta alteração, com especial destaque para uma máquina chamada fotográfica.
A fotografia nasceu das mãos de caricaturistas e pintores que investigavam uma nova forma de fixar o que viam. Conseguiram-no. A máquina fixava o que o Homem desejáva, mas nem sempre como idealizava. Isso levou-o a novas investigações, ao estudo da luz e suas refracções, das perspectivas… e notou que cada indivíduo, do mesmo assunto e com o mesmo aparelho, cria imagens diferentes. É que toda a imagem, fotográfica ou não, encarna um modo de ver. E quando olhamos algo, estabelecemos uma relação pessoal entre as coisas e nós próprios.
Outra contribuição para a criação de uma nova visão do mundo, foi dada pelo desenvolvimento das técnicas de impressão. Com a lithografia, a zincografia, a gravura nas suas várias técnicas, e finalmente a silk-screen, ou seja a serigrafia… a reprodução democratizou a arte, destruiu-lhe a sacralidade do único, porque a tornou múltipla, e mais acessível.
Para além destes factores, a imprensa deu ao artista um meio de subsistência, remunerando-o pela sua colaboração, e divulgando-lhe parte das obras (gráficas). A imprensa dá continuidade ao papel do artista plástico como testemunha da vida. Se antes servia para cronista e glorificação do Aristocrata, da Igreja, agora passa a cronista de toda a sociedade.
Ao mesmo tempo a imprensa fornece-lhe um campo onde as experiências formais eram "totalmente" permitidas. Desta simbiose, de estética, técnica gráfica e cronista, nasceram novos géneros como a ilustração, o desenho satírico, a banda desenhada…
No campo social, a "libertação revolucionária" fez com que o artista perdesse, em parte, a sua "identidade social", visto ele ser, de novo, um artesão que tem de vender o seu trabalho no mercado burguês, e não responder a encomendas de protectores. A arte passou a ser uma simples mercadoria, dependente da lei da procura, dos gostos do povo/burguesia… O artista em crise de identidade torna-se um rebelde, um político e um filósofo, gritando por uma arte ao serviço da sua sociedade ideal, ou então por uma sociedade à medida da sua arte.
A arte, para este criador do séc. XIX já não pode permanecer dentro dos conceitos estáticos da tradição Renascentista, dentro da concepção espacial "numérica, cenográfica e estática" (como definiu Francastel), sentindo que pelo contrário tinha que viver, criar uma estrutura aberta e dinâmica.
Como dirá mais tarde G. Braque - «Não se deve imitar o que se deseja criar. Não se imitam as aparências; a aparência é o resultado. Para ser imaginação pura, a pintura deve esquecer a aparência. Trabalhar do natural é improvisar.»
Esta foi uma das principais conquistas do Homem do séc. XIX, "destruir" o que vê para o reconstruir, para o recriar à sua medida.. Uma descoberta que afinal só tinha sido perdida, porque como nos diz Paul Gauguin, «a arte primitiva parte do espírito e serve-se da natureza. A denominada arte refinada parte da impressão sensorial e serve a natureza, assim caimos no erro do realismo. /…/ A arte é abstracção. Tomai da natureza o que dela vejais em vossos sonhos.»
O artista passou a ser um Homem em busca do seu sonho, passou a ser um investigador. Destruidas, ou tentando destruir as velhas linguagens da arte, ele procura um novo código linguístico, uma estrutura analítica que fosse auto-suficiente frente à realidade exterior.
Este caminho, cheio de interrogações e dúvidas existenciais, numa constante procura de compreender se era possível a formação de uma arte representativa da sua época, fez a separação Homem/Artista, isolou artistas entre artistas, isolou-os da sociedade. O artesão, que tinha que concorrer para Mestre, com o domínio pleno das técnicas e da criatividade, dá lugar ao criador-mestre pela irreverência, ousadia, e por vezes descaramento.
A luta que era principalmente contra a burguesia, contra a sua moral neo-aristocrática absolutista, a sua visão académico-conservadora, o seu mercado, levou uma parte dos artistas a fecharem-se sobre si mesmos, já que o proletário não era acessível, tanto no nivel económico, como no cultural, de forma a compreender o porquê destes novos caminhos de ousadia, destas novas visões estéticas que pareciam contra-natura. O artista isolou-se numa "mensagem" de autor para autor, numa "visão" pessoal, mas aberta às múltiplas interpretações, ou para simples gozo visual. Para triunfo destas correntes foi fundamental o papel de um novo ser intelectual, o crítico, que se assume como o tradutor da obra, o filósofo da existência plástica.
Resumindo, desde o iluminismo afirma-se a autonomia das artes, assim como se coloca o problema da sua função dentro da nova sociedade. Desenvolve-se então a filosofia da arte-estética, numa procura contínua da relação do indivíduo com a colectividade, ao mesmo tempo que a individualidade tenta não se diluir na multiplicidade.
Os ideais cognitivos, religiosos e morais são substituídos pela estética, ficando por resolver a sua relação com as demais actividades humanas. A arte passa a ser uma visão pragmática da crítica de arte.
Por outro lado, tanto na sociedade como na arte, o sentimento de identidade individual acentua-se e difunde-se. A fotografia será um elemento importante nesta dinãmica de difusão social da imagem, do esforço da personalidade em se afirmar numa nova sociedade sem classes perfeitamente definidas. A imagem torna-se numa necessidade de demonstrar a existência, de se verificar o Eu.
A vontade acentuada de individualização, a necessidade de ruptura entre gerações como afirmação do indivíduo caracterizam a nova sociedade.
O rápido desenvolvimento tecnológico, leva a uma continua mudança das orientações estéticas. Dessa forma defende-se que o mundo não é para se admirar, mas para o viver. A natureza não é objecto, mas motivo estético, sentimento. A emoção torna-se no cerne da criatividade, para além da estrutura. A arte explora a técnica pela decomposição da visão, contuso a técnica se abstratiza na emoção, defendendo-se a liberdade individual do artista.
Se por um lado verificamos uma agudização na pesquisa estética, seja técnica, plástica ou emocional, numa constante ruptura geracional de ismos, caminhando-se para uma forte individualização conceptual da criação estética, no triunfo do Eu absoluto e abstracto. Por outro ficou por resolver a dicotomia entre criação Arte-Estética e Arte Funcional. A solução mais fácil, e mais preguiçosa, foi consagrar a primeira como Arte Maior, ou Arte Séria, e as outras como Artes Menores.
O caminho das artes menores é no fundo muito mais interessante, já que não é um percurso de meia dúzia de pessoas que vivem os seus problemas isolados da Sociedade Geral, sem se interessarem por eles, vivendo à margem. As Artes Menores são as verdadeiras Artes Contemporâneas, já que vivem por um lado as mesmas preocupações de irreverência, ousadia e progresso tecnológico que as ditas Artes Maiores, mas que ao mesmo tempo estão em constante diálogo com a sociedade, refreando por vezes as ousadias para poder acompanhar os gostos da sociedade, acelerando por vezes os gostos da sociedade com as suas ousadias.
O artista do séc. XIX e XX, para além da questão de funcionalidade da sua arte, teve também que, como sendo agora um homem comum, de ter posições políticas definidas, e dessa forma usar a sua arte como um testemunho das lutas políticas, ou politizando-se e virando as costas à sociedade como a maioria dos ditos artistas das Artes Maiores.
Nas artes politizadas a moral influencia o modo de ver a realidade. A imagem não é a simples representação de um facto, mas o juízo que se pode dar dele. A vontade moral abre perspectivas ao conhecimento, à mensagem.

Thursday, November 15, 2007

Mortadelo y Filemón cumplen 50 años


El aniversario se celebra con la edición del 'Gran Libro' de las aventuras de los agentes de la T.I.A
Mortadelo y Filemón, los célebres agentes de la T.I.A creados por Ibáñez, cumplen medio siglo de vida. Para celebrarlo, Ediciones B ha editado un libro conmemorativo que repasa las diferentes etapas por las que han pasado los "agentes especiales". El volumen cuenta con un prólogo del cineasta Alex de la Iglesia, quien se confiesa devoto admirador del dibujante y de sus geniales personajes.
A finales de 1957 Ibáñez terminó la primera historieta de Mortadelo y Filemón, que apareció publicada en la revista Pulgarcito al año siguiente. A partir de aquí, y durante los años sesenta, Ibáñez trabajó para diferentes revistas e inició un periodo de enorme creatividad.
La década de los sesenta fue especialmente prolífica. En 1961 se publicó la primera historieta de "13, Rue del Percebe" y dos años más tarde la de "El botones Sacarino". En 1964 llegó la primera entrega de "Rompetechos", "Pepe Gotera y Otilio" y "El sulfato atómico", la primera historieta larga en formato de álbum con una cuidada realización de guión y dibujo.
En 1970 nació la revista Mortadelo, a la que siguieron publicaciones como Mortadelo especial, Mortadelo gigante, Super Mortadelo, y las ediciones especiales de sus aventuras en las colecciones Olé, Magos del humor y Super humor. En esta misma época, las historietas de "Mortadelo y Filemón" fueron traducidas a once idiomas.
En 1985 Ibáñez dejó Editorial Bruguera para pasar a Grijalbo y tres años después regresó a Ediciones B, donde "Mortadelo y Filemón" volvió a editarse con regularidad.En 1994 el dibujante recibió el Gran Premio del Salón del Cómic al conjunto de su obra y en 2002 fue distinguido con la Medalla de Oro al Mérito en las Bellas Artes. En ese mismo año, publicó dos de los títulos más celebrados: "Misión Triunfo" y "El estrellato".

O MODERNISMO PEL'O HUMORISMO (2º parte)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

1908/9
Tudo começou em 1908 no Liceu de Coimbra, onde estudavam Christiano Shepard Cruz (Leiria 189 ), Fernando Correia Dias ( 189 ), e Cerveira Pinto (Coimbra 1893), e que entram num projecto de edição do jornal do liceu, assumindo os dois primeiros o cargo de Director artístico nos primeiros números, e posteriormente o terceiro artista. O jornal foi "O Gorro", e durou apenas meia dúzia de números.
Mas, em Dezembro de 1909 este grupo de artistas irreverentes surge reunido com um outro artista a estudar direito na Universidade, Luíz Filipe Rodrigues (Melgaço 188), o qual surge como Director Artístico do jornal "A Farça".
Alberto Meira, nos anos trinta (na revista "Prima", em artigo sobre Luíz Filipe) escreverá: «Na realização da caricatura em Portugal marcou um ponto estranho a tudo quanto até então se produzia no género, e despreocupada falange de humoristas novos, que em Coimbra, cerca de 1910, se apresentava nas páginas duma revista da especialidade, infelizmente de curta duração.»
Estes quatro artistas são, para mim os introdutores do Modernismo em Portugal, já que entraram em ruptura com a escola naturalista, optando pela síntese expressionista (de influência germânica). Verificamos em suas obras a estilização dos registos miméticos, a liberdade abstratisante da mancha, a sintetização do discurso plástico e consequente anulação da perspectiva. São artistas livres, que fogem aos dogmas do ensino académico, às imposições dos mestres. Ele não publicaram qualquer manifesto, nem procuraram os críticos numa Galeria para receberem os seus consentimentos ou críticas, apenas lançaram para o público, um público mais vasto que os que frequentavam galerias de Arte, a sua obra.
Quatro artistas isolados, aos quais se juntará, por curto espaço de tempo (1910), um outro jovem de nome José de Almada Negreiros (São Tomé 189 ) de passagem pelo Liceu local, que ainda sem uma base teórica referenciada, têm já consciência de uma ruptura que desejavam, não só com o passado, mas com o presente.
Um dos academismos dominantes, da escola raphaelista, era o uso da sátira política, com identificação personalizada dos intervenientes, da farpas enviadas. O humor não era crítico ao regime, mas ao indivíduo, à identidade.
Este grupo opta por um humor irónico à sociedade, aos sistemas. Á velha chalaça política, apresentam como alternativa um humor mundano na estilização da vida citadina, com os seus contrastes entre pobreza e riqueza, sem nunca deixarem de serem anti-clericalistas, e de sagrarem o triunfo da mulher moderna, com a sua independência, a sua beleza, as suas formas ondulantes.
De "A Farça" saíram apenas seis números, mas tanto este como "O Gorro" foram uma lufada de ar fresco de humor e modernidade na imprensa humorística, onde reinavam os velhos "Supl. Humorístico de O Século", "Os Ridículos", "O Xuão"… Duraram o suficiente para chamarem a atenção sobre o traço destes artistas, que de imediato começaram a ser convidados para colaborarem em "O Povo", "A Revolta", "Jornal de Arganil", "A Lucta"… duraram o suficiente para influenciarem artistas como M. Pacheco, João Valério, Stuart Carvalhais, Hipolito Collomb…
Como escreverá André Brun, no Catálogo do Salão dos Humoristas de 1913, «O Humorismo, desde que for a reconhecido, baptizado e deitado à margem da arte séria, for a sempre vivendo, e se bem que o não vissem senão sob o aspecto d'um garoto da rua, gracioso e impertinente, ia criando músculos e caminhando com serenidade.
/…/ Um dia - o de hoje - a Arte chegou enfim a uma franca simplicidade. Despiu-se de todos os falsos atavios que séculos tinham ido sobrepondo sobre a nudez deslumbrante e já não busca iludir com grandes gestos, mas convencer com raciocínio. Reduzir a vida às equações claras e positivas, e quando a arte, professada por pontífices solenes e académicos, chegou a esta meta, encontrou, esperando-a tranquilamente e olhando-a com um sorriso, o Humorismo. Esse que ela sempre tomara, até então, por um gaiato irreverente, verificou-se que for a quem sempre conduzira o facho da verdade.»
A Caricatura, ou como a partir de agora se vai generalizar, o Desenho de Humor, ou Humorismo assume a liderança da ruptura, da irreverência estética.
1910
Na sequência das edições ligadas a este percurso do Modernismo-Humorismo gráfico, ainda em 1910 encontramos a revista "Límia", de Viana do castelo (terra onde vivia a família de Luíz Filipe, o qual é o elo de ligação), para onde todos estes quatro enviarão trabalhos.
É nesta revista que encontramos, pela mão de Luíz Filipe, a notícia da primeira baixa do modernismo, a notícia da morte do jovem artista Cerveira Pinto, que contava apenas 16 anos em Setembro de 1910, quando morre em Coimbra.
Este ano é o fim prematuro do Grupo de Coimbra, com o desaparecimento de Cerveira Pinto por morte, pelo destacamento do pai de Christiano Cruz, militar, para Lisboa, e no ano seguinte, com o finalizar do Curso de Direito, o regresso a Luíz Filipe ao Minho. Ficará apenas Correia Dias na cidade dos estudantes.
A vinda de Christiano Cruz para Lisboa vem despoletar a irreverência modernista na capital, congregando à sua volta uma geração de jovens insatisfeitos. Como dirá Jorge Barradas…. «Lhe demos o lugar primeiro…»
Este artista veio para Lisboa em consequência da implantação da República, golpe revolucionário que naturalmente modificara profundamente toda uma estrutura social, que dará alento ás novas ideias, à irreverência, ao sonho de uma sociedade nova. O modernismo era um sonho adequado a esta nova sociedade…
1911
Desse alento surgirá em Março a Exposição Livre, organizada por jovens estudantes emigrados, como bolseiros, e que desejam quebrar as amarras com as escolas, os Mestres académicos que dominam o ensino das Belas Artes em Portugal. Como já referi, as obras apresentadas pouco têm de modernidade, apenas a filosofia de intenções da organização da exposição se pode considerar moderna. Na realidade não conseguiram qualquer ruptura estética.
Desse mesmo alento, nasce a revista humorística "A Sátira", propriedade de um humorista de traço académico, mas que chama para a Direcção um jovem irreverente de nome Stuart Carvalhais, como será um espaço aberto às obras dos jovens modernistas, como Christiano Cruz, Correia Dias, Luíz Filipe, Almada Negreiros, M. Pacheco (ver mais nomes)
Publicará também obras de académicos já consagrados, como do seu proprietário Joaquim Guerreiro. Para além de ser um novo item editorial do percurso do Modernismo-Humorismo, a sua curta duração (quatro números) deu como fruto duas iniciativas importantes neste percurso: o regresso do único artista exilado por questões políticas, Leal da Câmara; a criação da Sociedade dos Humoristas Portugueses.
Leal da Câmara, como já referi, foi um dos primeiros artistas portugueses a entrar em ruptura com o academismo naturalisto-raphaelista. Por razões políticas, o regime tentará deportá-lo, mas este foge, primeiro para Madrid, depois para Paris. Em ambas as cidades triunfará.
Câmara conseguirá um lugar de destaque no meio caricatural francês, assim como desenvolverá actividade no design gráfico, e design de interiores como pedagogo e criativo. Totalmente integrado no meio cultural, não se dará com os jovens bolseiros portugueses, mas conviverá com outros imigrantes, como Picasso, com quem participará em exposições colectivas. Leal da Câmara, como depois Amadeo de Souza-Cardoso, foi o artista que viveu mais próximo dos grandes movimentos da vanguarda europeia do princípio do século.
Quando se verifica o derrube da monarquia, todos pensavam que ele regressaria de imediato do exílio, mas porquê vir-se enterrar de novo no fim do mundo, quando tinha uma carreira esplêndida no centro do universo cultural ?
Para a juventude ele era uma referência, um ídolo de irreverência, e foi essa juventude, reunida à volta de "A Sátira", que o conseguirá convencer a cá voltar. Convidaram-no para uma série de conferências e exposições.
Mal chegou, foi homenageado com um jantar, que os jovens 'esqueceram-se' de pagar. Ficou o Menu, uma preciosidade com uma série de auto-caricaturas de Christiano Cruz, Almada Negreiros, Stuart Carvalhais, Hipólito Collomb, Menezes Ferreira…
Inicia entretanto um ciclo de conferências em Lisboa, e em diversos pontos do país sobre "A Arte Útil", "O Humorismo e o Satirismo", "O Movimento Anti-Clerical e a parte tomada pela Caricatura Universal nesta campanha"… O panfletário republicano dava lugar ao pedagogo sobre as artes humorísticas e decorativas. Como complemento às suas palavras, existia a sua obra, com a qual realizará uma série de exposições: em 1911 expõe no "Grémio Literário, assim como no Teatro Nacional, onde em 1912 realizará nova exposição.
Dos catálogos destes exposições gostaria destacar uma frase de Coelho de Carvalho, que faz a introdução num deles, e no qual afirma: «…Leal da Câmara, grande na composição caricatural, e, sobretudo, como pintor impressionista de paisagens e retratos.» Noutro o artista dispensa elogios alheios, e é ele próprio que escreve a introdução, onde afirma: «Como vê, há uma certa quantidade de desenhos coloridos por vários sistemas - aguarela, pastel, óleo, verniz, pasteis oleosos, etc.»
«Por eles verá a tendência que tenho, como quasi todos os desenhadores modernos, de integrar nos simples desenhos as noções que antigamente só se utilizavam na pintura propriamente dita.»
«O Caricaturista, como terá visto pelos trabalhos dos meus colegas em outras exposições e por esta mesma, não encontra assumpto exclusivamente na política.»
«A rua com os seus typos, o campo com os seus costumes, a paysagem com os seus tons, os livros dos nosso melhores escriptores com as suas ideias de génio que só esperam ilustração, são tantos outros assuntos que interessam e impressionam o caricaturista.»
«São algumas d'essas impressões que lhes mostro n'esta exposição.»
****
«Ao fundo do salão, verá o meu caro visitante alguns moveis.»
«Eles não teem a pretenção de ser obra d' Arte e muito menos a de servirem de ensinamento à Industria nacional.»
«São, simplesmente, móveis que toda a gente pode fazer.»
«Não é ao rico, portanto, que eu dedico esta parte da exposição porque esse pode adquirir facilmente o mobiliário que lhe convêm.»
«Dedico estes móveis feitos do mais democrático pinho, à observação d' aqueles que teem pouco e que sentem a necessidade de crearem uma casa pobre mas correspondente aos seus desejos d' Arte.»
«/…/ É necessário, urgente mesmo, que os artistas da minha terra estudem este problema e que o Estado ou a Industria particular se occupem dela.»
«Em pouco tempo, graças a estes esforços combinados, haverá talvez em Portugal um mobiliário barato e as casas modestas tomarão pouco a pouco aspectos mais sadios.»
«Os explendidos motivos d' Arte decorativa que são o património da nossa raça portugueza, poderiam servir de base a esses futuros mobiliários e, se estes tarecos que exponho despertarem em um único visitante a ideia de chamar um carpinteiro e construir na sua casa uma mesa, uma cadeira ou uma estante, diferentes das que lhe são impostas pela tyrania do vendedor avulso. Dar-me-hei por satisfeito porque d' esse dia em deante esse visitante amará a sua casa, desejará embelezal-a, sentirá a necessidade fe ler, de estudar o problema do seu conforto - de progredir portanto - e dará o mais salutar exemplo que possa ser dado aos pequeninos observadores que são as criancinhas seus filhos, para os quaes a desordem e a falta de gosto doméstico são o peor dos trenos moraes.»
Da relação de obras nestes catálogos são curiosos alguns títulos, como:"O meu retrato pela nova escola Cubista", "Estampa Simili Japoneza - O domador de feras", "Blague Impressionista"…
A situação de Leal da Câmara na introdução do modernismo é bizarra, porque ele é um exemplo que os jovens modernistas respeitam e admiram; ele é um artista que pela sua obra está já distanciado do academismo, incorpora nos seus trabalhos elementos das novas vanguardas, nomeadamente do impressionismo, do expressionismo, do fauvismo… sendo as suas exposições de 11 e 12 muito mais de ruptura que os chamados Livres. Contudo manter-se-á sempre à margem da onda irreverente dos jovens.
De todas as formas foi incisiva a sua presença, nesta dinâmica. Para além da sua obra pedagógica, através das conferências, o simples montar das exposições, segundo os críticos da época, é já uma ruptura com o passado. Aquilino Ribeiro escreverá em "A Ilustração Portuguesa": «Ao mesmo tempo que Leal da Câmara exibia os seus trabalhos, ensinava a arte de armar uma exposição. Até ali os quadros estiravam-se pelas quatro paredes duma sala, a esmo, singularmente como os editais no átrio duma repartição pública.»
Para além deste facto a apresentação da caricatura como pintura a óleo, pastel, num mundo em que domina a tinta da china e a aguarela obriga os mestres académicos a ter maior respeito por esta arte. Por outro lado há uma grande necessidade de afirmação de A Arte como elemento integrante da educação do povo.
Christiano Cruz, como o Teórico do Modernismo-Humorismo defenderá em 19 … que se não se pode enviar o povo….
E o maior desalento de Leal da Câmara, quando resolve regressar a Paris em 1913 (?), é precisamente a falta de estrutura educacional e cultural da nossa sociedade. Como ele escreverá «…ainda não havia lugar para artistas; um homem de letras é um boémio; um pintor, escultor, desenhador, profissionais mais ou ,menos parasitários. Um desenho não se chama vinheta, cul de lampe, caricatura, retrato, chama-se um boneco; todos nós lá vivemos por favor; somos tolerados; falta meterem-nos a matricula na mão.»
O segundo elemento, onde "A Sátira" exerceu função crucial, foi a criação da Sociedade dos Humoristas Portugueses pelo grupo de artistas que se reuniam para levar avante aquela revista.
Esta sociedade, apesar de ter como principais motores os jovens modernistas, por razões económicas, e de credibilidade foi parcialmente dominada pelos conservadores. Monetariamente, porque quem suportava a revistas, as reuniões, e toda a estrutura era Joaquim Guerreiro, um caricaturista endinheirado, mas na linha raphaelista. Dominada pelos conservadores pela força do traço de Francisco Valença, pelo sombra tutelar dos Bordallos Pinheiro, na figura de Manuel Gustavo… De todas as formas a actividade deste grupo só se fará sentir em 1912.

Tuesday, November 13, 2007

O MODERNISMO PEL'O HUMORISMO (parte 1)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

A História escrita é uma visão facciosa dos homens, que impregnados de uma outra vivência, procuram olhar o passado com a mente enriquecida pelo tempo, pelo espaço.
É facciosa porque apesar de se dizer objectivo, o historiador, como homem comum, está viciado culturalmente por opções conceptuais e ideológicas.
É facciosa porque o tempo cria perspectivas, e leituras inexistentes na época. Factos, acontecimentos que no momento passaram despercebidos, foram insignificantes, mas que com a análise dos historiadores de hoje, tornaram-se fulcrais.
Naturalmente, pelas razões atrás descritas, eu sou mais um historiador faccioso, e aceito que a minha visão dos factos analisados possa ser criticada, e acusada de sectarista. É mais uma visão, mais uma opção de análise entre tantas.
O período sobre o qual nos vamos debruçar, é um dos momentos mais interessantes da nossa história cultural, e um dos mais difíceis de narrar objectivamente. Nela entram em jogo múltiplos interesses (literários, plásticos, sociais), múltiplas pretensões (ideológicas e estéticas), múltiplos interpretes.
Contudo, é necessário ter consciência de que os factos de relevo que narraremos, aconteceram sem que a maioria da população tivesse tomado conhecimento deles. Para além dos intervenientes, apenas uma parca centena de indivíduos tomaram consciência dos factos, tiveram uma posição crítica.
Por outro lado, existe uma dificuldade terminológica, já que tanto os conceitos de Humorismo, como de Modernismo, Futurismo… não são muito claros no nosso meio, e têm variado ao correr dos tempos.
Ora, precisamente neste período de 1909/1919, vai haver uma procura de nova posição perante o humor e a estética, e será nossa intenção conseguir distingui-las.
Antes do mais será necessário destrinçar a evolução cronológica da entrada do dito modernismo em Portugal. A maioria dos historiadores elege a data de 5 de Março de 1911 (inauguração da Exposição Livre) como momento de ruptura com o passado naturalista, e início de uma nova fase estética, dita posteriormente modernista.
A 5 de Março de 1911, oito jovens artistas, todos a estudarem no estrangeiro como bolseiros, apresentam trabalhos seus no Salão Bobone, uma Casa de Fotografias que abriu o seu espaço como a primeira Galeria de Arte privada. Os artistas são Manuel Bentes, e mentor e coordenador do grupo, acompanhado por Francis Smith, Domingos Rebelo, Francisco Alvares Cabral, Alberto Cardoso, Eduardo Viana, Emmérico Nunes, e o brasileiro Roberto Colin.
O argumento que dá força interventora a esta exposição, é o objectivo de irreverência geracional contra os mestres académicos das Belas Artes Nacionais, que está na raiz da organização do evento, e a reacção teórica de Manuel Bentes, que perante as críticas desfavoráveis. Declara então a nova postura "moderna" (infelizmente apenas numa opção filosófica) destes artistas: «A Arte não tem sistemas, tem emoções /…/ Queremos ser livres ! Fugimos aos dogmas do ensino, às imposições dos mestres, e , quando possível, às influências das escolas, porque cremos que os artistas têm uma só escola - a Natureza; um dogma único - o Amor".»
Na realidade a única irreverência desta exposição foi a postura contra os mestres, já que as obras apresentadas pouco tinham de modernidade, de ruptura com o passado, e entre todos destacar-se-ia apenas Emmérico Nunes, pela sua irreverência humorística.
A 6 de Março de 1911 inaugurou, na Academia de Belas Artes de Lisboa, uma outra exposição de jovens bolseiros a viverem em França. Porque é que a maioria dos historiadores ignorou esta exposição? Ela surgiu como resposta da Academia à postura de confronto de Manuel Bentes, e nele encontraremos tanto ou mais ousadia estética que na outra, já que entre os expositores estavam os bolseiros Francisco Franco, Henrique Franco, José Campas, Dórdio Gomes e Santa-Rita. Esta exposição não tinha objectivos estéticos, ou ideológicos por parte dos artistas, mas incorporava dois nomes que posteriormente marcarão o nosso modernismo, principalmente o último que será depois uma das vozes mais irreverentes da década.
Estes artistas, não só não impressionaram os seus contemporâneos que aqui só conheciam a rotina, como mereciam a crítica e o desdém de quem lá for a procurava realmente novos caminhos para a arte. Amadeo de Souza-Cardoso, em carta enviada de Paris a um tio seu, acusa «os amigos compatriotas, que marcham numa rotina atrasada. Arte é bem outra coisa que quase toda a gente pensa, é bem mais que muita gente julga. Tudo quanto para aqui se faz é medíocre, aparte raras coisas.»
Pela força dos factos, os historiadores foram obrigados a aceitar os humoristas como uma parcela motora do modernismo, apontando o Salão dos Humoristas de 1912 como o segundo passo na introdução do modernismo. Esta iniciativa é coadjuvada com a realização da primeira exposição individual de Almada Negreiros, principalmente porque esta mereceu uma crítica assinada pelo poeta Fernando Pessoa.
Esquecem-se eles que o humorismo já à vários anos vivia em ruptura com o passado naturalista, vivia em irreverência estética, em ousadia de caricatura moderna.
Porquê esta constante separação entre géneros artísticos? Porquê essa dificuldade facciosa de olhar as artes como um todo? Porquê essa necessidade de divisão em sectores da criação plástica? Esse facciosismo não é uma posição apenas contemporânea, e Leal da Câmara já na época (em conferência em 1912), sentiu a necessidade de denunciar que a «…raça de dominadores /…/ tem desejado fazer de papões diante dos pobres artistas sem defesa e decidiram do alto da sua infabilidade que a caricatura não era uma Arte !Eu não sei com que compasso mágico ou com que centímetro misterioso mediram eles a distância que separa a Arte Séria da Arte Cómica.
Eu só sei que certos destes artistas sérios têm feito caricaturas admiráveis e que vários caricaturistas têm conseguido fazer obras mestras de pintura e de escultura que forçaram a admiração dos próprios críticos.
Chego a acreditar que a Arte não é o apanágio de uma teoria, de uma formula ou de um processo, mas a universal manifestação do desejo de Beleza, de Correcção e de Progresso.
Não há arte séria e não existe arte cómica. Há somente uma Arte como há uma só Natureza, como há só Amor e não deveria existir senão uma Justiça.
São as manifestações de esta Arte suprema que são diferentes, mas a essência é sempre a mesma admirável Natureza que faz vibrar temperamentos diferentes.»
(Curiosamente encontramos os mesmos elementos defendidos por Manuel Bentes em 1911 - Natureza e Amor)
Será precisamente uma nova postura perante a criação e a "utilidade" da arte que revolucionou a estética, que rompeu com o passado, e criou uma nova arte para uma nova sociedade baseada na velocidade, na tecnologia, no progresso e na democracia (segundo os elementos ideológicos de liberdade, igualdade e fraternidade).
Portugal nunca foi um grande centro criativo das vanguardas culturais, mas, principalmente no campo literário, conseguiu acompanhar medianamente as correntes europeias (por vezes com alguns anos de atraso…)
Apesar de geograficamente pertencermos à Europa, a existência do 'tampão' Espanha, que também nunca foi um centro de vanguardas, obrigou-nos a um maior esforço de adaptação aos novos ventos. A implementação da imprensa após o triunfo do liberalismo, facilitou as comunicações, e as influências. Para além da imprensa, o desenvolvimento da gravura, e da caricatura foram outros elementos fundamentais, e através deles teremos conhecimento quase imediato do realismo e do naturalismo, assim como será fácil a introdução do romantismo. Todas estas são correntes estéticas que se quadunam perfeitamente com as nossas "deformações rácicas" intrínsecas.
A Caricatura, definição que abrangia todo o desenho de humor de imprensa, foi uma arte fundamental ao longo de todo o séc. XIX, seja no plano estético, seja no social e político. Através dela, verificou-se a introdução das estéticas realistas e naturalistas (onde a família Bordallo Pinheiro terá um papel fundamental com Manuel Maria, Raphael, Columbano, Manuel Gustavo), assim como será motor de introdução do gosto "Art nouveau" (por Manuel Gustavo, Simões Jr., …) e do expressionismo (por Celso Hermínio e Leal da Câmara)…
Através da caricatura, a necessidade de individualismo da sociedade triunfante (uma das características da nova sociedade moderna), com a sobrevalorização do retrato-charge, e do retrato litográfico impõe-se. Foi moda em alguns jornais humorísticos, a primeira página apresentar retratos litográficos das individualidades locais e nacionais.
Através da caricatura solidificou-se uma postura burguesa de estar na sociedade, de fazer política, de fazer modas.
Tal como na pintura, a naturalismo, principalmente pelo génio de Raphael Bordallo Pinheiro impõe-se primeiro como academismo de um estilo. Esse academismo, para além do docilidade do traço, era acompanhado de um maneirismo ironista de sátira. Contudo, a sociedade evoluía em confronto cada vez mais agudo com o regime, com o sistema. A Monarquia era cada vez mais contestada, e o Republicanismo grassava. Na década de noventa, de oitocentos, esse confronto agudiza-se com uma série de escândalos políticos e económicos (os monopólios), assim como com o Ultimatum Inglês, que fere profundamente o orgulho nacional.
Para apoiar uma nova campanha panfletária contra o regime, surgem Celso Hermínio e principalmente Leal da Câmara, que utilizam um traço sintético, anguloso e agressivo do tipo expressionista. Para além desta linha estética, verifica-se uma alteração de comportamento satírico, desviando o alvo dos políticos, e dos partidos, para o Rei (que até então tinha sido quase sempre poupado), e para as instituições que o representavam directamente no regime, como a polícia e a Censura. Esta é pré-ruptura 'modernista' com o naturalismo, e aconteceu cerca de 1896 a 1900.
Paris era a Capital das Artes, e o sonho de qualquer artista era partir para viver nesse farol civilizacional, mesmo que fosse apenas para se enriquecer tecnicamente no academismo. Era o que acontecia com a maioria dos bolseiros portugueses, como lamenta Amadeo de Souza-Cardoso, em carta familiar de 1910 - «Hoje os artistas preocupam-se com a realidade, pretendem imitar a natureza como se ela fosse imitável, não sentem emoções grandes, porque são neutras de nascença as suas almas - em suma, é o ocaso duma religião que passou.»
A realidade era por um lado a imitação da natureza como conservadorismo amorfo, como era cada vez mais um fervilhar revolucionário numa sociedade em ruptura, como era a realidade política no Portugal do fim da primeira década deste século.
A Monarquia encontrava-se num beco sem saída, e o descontentamento abrangia todos os sectores da sociedade, nomeadamente o estudantil, que em 1907, por razões académicas, decretam uma Greve Académica em Coimbra. O descontrole de um regime em vias de naufragar, não deu o suficiente discernimento político para resolver de imediato a questão, e dessa forma esta greve não só se transformou politicamente, como se espalhou por todo o país.
Um dos elementos fundamentais de suporte a esta Greve Académica, que não só arregimentou as Universidades, como os Liceus, foi a imprensa, com a edição de folhas informativas, folhas volantes, e jornais. Finda a questão, ficou nesta juventude o gosto pela imprensa, e muitos Liceus e Universidades continuarão as experiências de editarem os seus próprios órgãos de informação académica.
Como referi, quando partiam o sonho era Paris, Mas quando por cá ficavam, as Revistas Artísticas, de Modas e Humorísticas eram a fonte de informação, era o abecedário da irreverência. Provinham tanto de França, como da Alemanha, e no campo humorístico fundamentais eram o "Assiete au Beurre", "Le Rire", "Simplicissimus", "…Bleter" . excelentes revistas que eram absorvidas avidamente pela nossa juventude irreverente.
Esta conjugação de influência de revistas estrangeiras modernistas; de uma cidade estudantil efervescente de revolta contra o regime e sociedade; o encontro de um núcleo de estudantes, de várias origens geográficas e sociais, ávidas de intervenção social e estética, fez com que a partir de 1908 nascesse o modernismo em Portugal.

Sunday, November 11, 2007

"CARICATURISTAS POR TIMOR"

Tenho andado a fazer limpezas nos meus arquivos e fui encontrar alguns textos publicados em livros que creio que não perderam actualidade. Como podem, eventualmente, ser uteis para alguns estudantes, ao longo dos dias vou publica-los por aqui. Este foi escrito em 1999 para o catálogo da exposição, quando realizamos a grande manifestação de solidariedade "Caricaturistas por Timor".

DENUNCIAR É PRECISO

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

O primeiro sinal de inteligência revelou-se no sorriso que o primeiro sapiens construiu perante a adversidade da vida, e com esse sorriso tomou consciência de como tornear a questão.
A primeira marca identificadora da consciência do Homem foi a mão gravada na parede da caverna.
A mão e o sorriso moldaram o nascimento de um novo Ser, que se levantou da terra e se impôs entre os outros animais. Surge então o Ser Inteligente.
Mas, ser ou não ser, é a questão que tem acompanhado a humanidade na sua tentativa de evoluir do estado selvático ao democrático.
Ao longo da História temos verificado que esse objectivo ainda está longínquo, e a animalidade selvática, desculpem-me os animais, não é apenas um resquício no carácter dos Homens tribais, fundamentalistas clubísticos ou políticos, mas uma característica bem viva, activa e presente em muitos Homens contemporâneos.
Não é preciso recuar no tempo, falar de um Hitler, de um Pinochet e seus esbirros, já que infelizmente o dia de hoje relata-nos o que acontece em Kosovo, em Timor Leste (para falar apenas em duas situações mais visíveis, e já politicamente correctas), os genocídios que acontecem às mãos de militares sérvios, de militares indonésios… Estes seres, ditos humanos, torturam, matam, destroem não por necessidade de sobrevivência, mas pelo simples prazer humano de espezinhar o vizinho.
Só o Homem sabe Rir pelo simples prazer, como só o Homem sabe matar e destruir pelo simples prazer de o fazer.
O prazer da morte é satânico, e o riso, segundo alguns teóricos, também. Será o Riso satânico? É verdade que, pelo humor, o homem mata, virtual e temporariamente, o inimigo, colocando-se numa posição superior e denunciadora das fraquezas do Ser atingido. Mas na realidade o riso não mata, apenas atordoa temporariamente. E Ri melhor quem Ri no fim. O Humor é uma arma democrática que deixa espaço à resposta. É fundamentalmente uma arma de denúncia.
Se não sabemos quando nasceu o riso, porque ninguém fala do deus Bess (deus do humor no Antigo Egipto), no âmbito do humor gráfico na Civilização Ocidental podemos falar do humor como denúncia satírica a partir do séc. XVI.
Ela desenvolve-se com o nascimento da tipografia, com a democratização do saber, com a tomada de consciência, com a democratização do saber, com a tomada de consciência cívica de novas camadas da sociedade. Surge como denúncia por parte da Reforma, e depois da Contra-reforma.
Nasce com a missão de denunciar, informar e despertar os espíritos subjugados pelo poder. Como definiu Jacques Sternberg: "O humor é uma arma de ataque, um grito enlouquecido no deserto, uma forma de desespero, uma sucursal do pânico e do insólito, o último recurso".
Não sendo tão alarmista como Sternberg, na verdade este é o último recurso da inteligência, é a revolta contra as vergonhas humanas, é a forma mais séria de olhar a vida. Na verdade, não se deveria brincar - como muitos fazem - com o humor, já que este é o último recurso de sobrevivência humana.
E a história desta arte, por que é de uma arte que se trata, tem sido a denúncia das desumanidades, das incongruências, dos abusos. Primeiro de uma forma panfletária, em que as farpas satíricas marcavam a sangue as suas vítimas. Depois foi-se ironizando, transformando o fundamentalismo em opinião. Uns dizem que perdeu desde aí a sua força interventora, outros juram que a democracia crítica é mesmo assim, já que o politicamente correcto tem muito mais força económica, que a irreverência.
De todas as formas a caricatura/cartoon é uma força de opinião, que por vezes desenterra o seu machado de guerra e denúncia com irreverência os políticos, os ditadores, os genocídios. Existem neste momento várias dezenas de cartoonistas presos por todo o mundo. Presos por terem ousado ter liberdade de pensamento e expressão. É certo que nunca um ditador, um político oportunista ou, um militar sanguinário foi destituído pela simples acção de um desenho. Mas é certo que muitos desenhos no seu conjunto já conseguiram abrir os olhos ao mundo.
Timor é um caso desses. Oprimido, assassinado, torturado durante décadas, o povo maubere soube sempre estar de cara levantada contra os opressores, contra a morte. Essa força obrigou a que, aos poucos, o mundo acordasse para essa opressão, obrigou a que a humanidade tivesse vergonha de não querer ver, não querer olhar, não querer ouvir.
A imprensa jogou um papel fundamental nesse despertar, e o caricaturista teve o seu papel, de na síntese de um desenho dizer milhares de palavras caladas no sofrimento, no horror.
Não é de hoje nem de ontem, que caricaturistas portugueses têm usado a sua irreverência para denunciar. Se apenas usamos cartoons publicados a partir do início desta década, é que neste momento de reconciliação de um povo em luta final pela sua liberdade e independência, não queremos abrir velhas feridas que os nossos caricaturistas testemunharam. Deliberadamente partimos do momento em que a infelicidade de uns fez acordar o mundo, um despertar longo e demasiado demorado até ao dia de hoje.
Este volume é pois o resumo de uma crónica desenhada de uma luta partilhada por um povo, e por uma classe de artista/jornalistas. Surge num movimento de solidariedade que se intitula "Caricaturistas por Timor", iniciativa a que aderiu a grande maioria dos caricaturistas portugueses, solidários com a causa de Timor Loro Sae e que obteve, de imediato, o apoio da Humorgrafe e do Sindicato dos Jornalistas, assim como de vários outros patrocinadores. Este álbum inclui-se numa mais vasta série de iniciativas que têm o valor que têm. Mais para uns, menos para outros, tentando esquecer pequenas desinteligências do dia a dia, e damos todos as mãos pela causa de TIMOR LOROSAE.

Monday, November 05, 2007

Do Not Wait For Your Freedom to Come

(Ben Heine © Cartoons)
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Freedom is a Gun.
By Raja Chemayel
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Do not wait for your Freedom to come
after the next rainy day.
Liberation comes from inside of you
and is never delivered to you, by any other messenger
nor can you order it from abroad.....
like some home-delivery-Pizza

How to get it ?

Admit first, what your own identity is ,
and do not invent one.

Recognise your borders and your limits.
Identify your goals and your enemies.
Choose your friends and allies,
do not let them to choose you, first.

Learn how to read and to write,
put bread on your children's table
and only thereafter, pick up a gun !.......
............ and then, you are almost there !!

This is no poet-stuff
nor any fancy-philosopher' s thoughts
nothing new , nor anything much revealing
just words that should be taken at their face-value.
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Raja Chemayel, an Arab-Lebanese,
a Christian by birth, a muslim
by culture and a democrat by nature
كلبناني عربي، مسيحي بالولادة، إسلامي الثقافة وديمقراطي بالطبي
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www.frustratedarabdiary.blogspot.com

Thursday, November 01, 2007

18º FESTIVAL INTERNACIONAL DE BANDA DESENHADA DA AMADORA - 2007

Ainda pode visitar o Festival até ao próximo domingo, dia 4 de Novembro. Estas algumas das cenografias apresentadas no Festival. A não esquecer as exposições do AmadoraCartoon que não estão no Forum, mas sim nos Recreios da Amadora (junto à Estação da CP da Amadora), assim como a exposição 007 Ordem para Humorar no CNBDI.




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