Friday, May 30, 2008

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal (Parte 28) (Almeida e Silva...)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa
1885
Em 1885, surgirão dois novos criadores a quem podemos dar sem pejo o epíteto de caricaturistas, são eles J. M. Pinto e Almeida e Silva
José de Almeida e Silva será o primeiro caricaturista de interesse estético, e satírico, a surgir no Porto desde o aparecimento de Sebastião Sanhudo, ou seja quase uma década depois.
Natural de Viseu (nasceu a 15 de Novembro de 1864, e virá a morrer na mesma cidade a 10 de Outubro de 1945) este artista será fundamentalmente recordado em Viseu como Pintor, sendo localmente conhecido como "o Silva pintor". Filho de um comerciante (com o mesmo nome), subiria na vida a pulso. Como nos diz Júlio Cruz (no Catálogo do Cinquentenário da sua morte - Viseu 1995): «A sua vida não foi fácil: começou como marçano mas como cedo revelava forte vocação artística conseguiu que em 1882, um benemérito, José Ribeiro de Carvalho e Silva, lhe patrocinasse um curso na Real Academia Portuense de Belas Artes. Durante esse tempo e para ganhar algum dinheiro dedicou-se a elaborar caricaturas. /.../ Mais tarde arrependeu-se desta actividade pois, segundo ele afirmou em carta datada de 29.8.1937, foi por cansa dessas caricaturas que lhe terá sido negada uma bolsa no estrangeiro, Almeida Silva achava que a não atribuição da bolsa por parte da Academia do Porto era a vingança dos politicos por ele caricaturados.»
«Terminou o curso em 1890 e nove anos depois era nomeado professor de Desenho na Escola Indus­trial e Comercial de Viseu, sendo transferido a seu pedido para a Escola de Vidreiros da Marinha Grande, em 1919, onde foi director. /.../ Foi um artista profícuo, ressaltando da sua obra o retrato, as paisagens, os monumentos e figuras típicas locais. /.../ Colaborou em inúmeras publicações com destaque para "O Século", "Diário de Notícias", "Diário de Lisboa", etc. Também escreveu contos e narrativas reunidos na publicação "Pergaminhos". Dirigiu a publicação "Álbum Viziense", que apareceu em 1885.»
Curiosamente os seus biógrafos, desde Alberto Meira, passando por ele próprio só apontam o jornal "Charivari" : que inicia a sua publicação em 1886) como local da sua carreira caricatural, contudo os seus trabalhos aparecem primeiro em 1885 no jornal portuense "Maria da Fonte" (1885/6). António Dias de Deus assegura que os seus primeiros trabalhos surgem em 1880 na "Cavaqueira Política", impressa na Litographia Viseense, mas haverá uma outra "Cavaqueira Política" em 1888 que tem obras suas. Publicou também em "O Gymnasta" de 86, "Óbolo ás crianças" de 87, "Revista Ilustrada" de 91, "Portugal-Espanha" de 95, "Notícias de Portugal" de 96. Contudo na verdade a sua obra fundamental ficará registada no jornal "Charivari" (entre Nov. 86 até Maio 1890)
Tinha 21 anos, e estudava artes. A diferença entre os trabalhos de 85 para 86, e anos adiante denota-se um aperfeiçoamento profundo, num estudo do pormenor, sendo um perfeccionista do realismo. Essa formação académica denota-se e destaca-o, no panorama caricatural de então. Como ele próprio diz (numa carta publicada em "O Tripeiro", no artigo de Alberto Meira "Ao soalheiro... ") «desde a minha mocidade vivo sempre na ânsia do perfeito. E, assim, nada do que produzi no passado me deu completa satisfação. »
«Apesar dos meus 72 anos, mais do que nunca vivo de aspirações, baseadas nas forças sempre cres­centes que sinto no meu espírito cujos anos se mantêm e manterão no inverso da feitura da minha idade física, esta mesma dominada pela minha compleição forte e sadia, que me fará viver para a Arte até para lá dos 90 anos. Eu sou uma criatura que faz terror á morte.»
«Vivendo, pois, para o presente e para o futuro, que não do passado, este em nada me interessa. E eu quereria que ninguém me lembrasse o que já se passou na minha vida, de que não conservo notas nem datas, ou documentos de qualquer espécie.»
«Quanto aos meus tempos de caricaturista, em que somente o fui para ganhar o meu pão, não só os desprezo, como até os odeio. Se não fosse o Charivari, eu seria hoje um dos primeiros mestres da pintura portuguesa, pois para isso nasci com toda a compleição artística, demonstrada no meu curso brilhante da Academia de Belas Artes do Porto, onde fui o aluno mais garoto e turbulento, mas também o mais distinto, o que pode ser comprovado pelos meus condiscípulos e contemporâ­neos, de entre os quais o grande escultor Teixeira Lopes.»
«O Charivari obrigou-me, por vontade do público, a atacar homens políticos do Porto, que depois se vingaram, fazendo com que eu perdesse, injustíssimamente, o lugar de pensionista do Estado no estrangeiro, por concurso da Academia do Porto.»
«É certo que, em protesto, logo um amador se me ofereceu para me subsidiar nessa conclusão dos meus estudos artísticos. Factos particulares concorreram, porém, para que eu nunca me pudesse aproveitar desse oferecimento, o que não faria se fosse pensionista oficial.»
«/…/ Mas ainda quanto ao Charivari ;- Desde que vim do Porta para Viseu, em 1891, nunca mais o abri, o que agora fiz para algumas verificações. Salvo nele os retratos da lª página, uma ou outra de caricaturas, e a polémica com o grande Bordalo Pinheiro. Quanto ao resto...»
«/…/ Lembrando-me do meu tempo de caricaturista, em que o público, que é quem compra e manda, queria ver as estampas sempre sombreadas. E até os rapazes vendedores, quando não viam as estampas a fumo, como eles diziam, já se desinteressavam de apregoar o semanário, que assim tinha menos venda.»
«Repito que, em jornalismo, quem manda é o público, sendo preciso servir-lhe o prato que quer. De outro modo deixa de comprar; e o jornal cai, por melhor que seja feito... »
É interessante este testemunho, de lamento pelas sequelas na vida de um artista, que na juventude ousou ser irreverente, ousar satirizar. Naturalmente, não foi apenas este facto que o impossibilitou de ser o grande mestre da pintura portuguesa, mas é natural que poderá ter contribuído, fortemente para lhe modificar o percurso de uma carreira. Curiosa é, também, a importância que ele dá ás primeiras páginas, que eram retratos litográficos, de execução perfeita em academismo técnico, e onde não havia intervenção satírica, e minimizando o desenho satírico. É que ele foi uma segunda voz (a primeira naturalmente foi sempre a de Raphael) na sátira de destes anos de 85 a 90, ultrapassando Sebastião Sanhudo no norte, na crítica nacional.
Almeida e Silva foi um caricaturista a nível nacional, não se restringindo aos "fait divers" portuenses, como o fazia Sebastião Sanhudo que assim se defendia no meio provinciano e vingativo do norte. Caricaturava, satirizava tanto a política camarária, como partidária e governamental, e se necessário fosse, contra os próprios colegas de profissão, como viria a acontecer com Raphael, mas sobre essa questão falaremos no momento oportuno.
"O Charivari", que durou doze anos (1886198), será mesmo uma peça importante nesta história, já que aqui se desenvolverá o início de algumas carreiras de interesse, como a do Alonso - Santos Silva, Simões Júnior ...
Será necessário dizer que, entretanto nesse ano de 1885, para além do referido jornal "Maria Rita" onde um tal Lara publicou trabalhos antes do aparecimento de A. Silva, apareceu também o semanário humorístico "Zé Barros" (com trabalhos assinados por Zé dos Grilos ou Zé da Rita).
Também nesse ano (a 21 de Janeiro) Raphael, por questões políticas e éticas, toma a decisão de encerrar o seu jornal "António Maria", após cinco anos de publicação. Em meia dúzia de palavras, esta decisão está relacionada a um terramoto que se verificou na Andaluzia, e para apoio às vítimas criou-se uma cúpula que propôs uma manifestação de solidariedade. O governo com medo da utilização por parte dos republicanos deste acto, proíbe. Raphael em contraproposta, já que este era um movimento apolítico, propõe uma semana de greve dos jornais, mas perante a cobardia de toda a imprensa, ele resolve ser radical, e fecha o seu jornal. É uma atitude de indignação, e mágoa, não propriamente contra os políticos, mas mais contra os seus confrades da imprensa, indivíduos vendidos ao poder, e às instituições onde tinham segundos empregos ...
Raphael Bordallo Pinheiro (pelo menos desde o ano anterior) começava então a fascinar-se por um novo género criativo, a cerâmica, anunciando no próprio jornal essa paixão, e a construção de uma fábrica nas Caldas da Rainha. Quem estava por detrás desse entusiasmo é o seu irmão Feliciano, que será o gestor da Fábrica, provocando um gradual abandono do desenho humorístico por parte de Raphael.
Só que é difícil calar uma voz satírica, mesmo quando está desgostosa com o meio, e apaixonado por novas formas de expressão artísticas. Além disso, os seus jornais também já eram também o sustento do filho, e acabar esta sua actividade, era acabar com duas carreiras. Por essa, ou outras razões, passados alguns meses, ou seja a 7 de Maio, nasce um novo título, "Os Pontos nos ii". Este, apresenta-se assim: «Ora aqui me teem outra vez. Sou a Maria, a viúva do António..:» e por aí adiante, como podem ler na reprodução da página, já que esta vale não só pelo texto, como pelas ilustrações que a preenchem.
O ideário, e o grafismo, continua o mesmo que subentendia o 'António Maria", ou seja «rir, rir sem descanso, de bocca escancarada até mostrar o cavername, de todos os mil grotescos que por ahi fervilham como formigas n'um açucareiro». Surgia assim uma segunda série do 'António Maria", mas sob outro nome.

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