Sunday, February 22, 2009

«A Mascara» por Luís d'Oliveira Guimarães e desenho de Ferreira dos Santos


A MÁSCARA
Por: Luís d'Oliveira Guimarães

O meu amigo X acendeu um cigarro, bebeu um golo de café, e contou-me, com o melhor dos sorrisos:
- Desde os quinze anos que me não mascarava. Tenho quarenta e cinco; logo, há trinta anos que me não entregava a esse sport. Este ano resolvi-me. Tinha de ser. Por casualidade, os viscondes de A. ofereciam um baile masqué, insistiram comigo para que fosse; disse que sim; prometi mesmo que iria mascarado - e comecei a pensar realmente a sério na minha futura máscara. Aquilo que a princípio me parecia de uma facilidade transparente começou, pouco a pouco, a transformar-se num verdadeiro e complicadíssimo problema, não apenas de indumentária, mas até de filosofia e de psicologia. De que é que eu me havia de mascarar? De rei, de pajem, de Arlequim, de D. Quixote - ou de Imperatriz Eugénia? Confesso que durante dias, noites a fio, a questão não me saia do pensamento, com todos os seus aspectos, as suas consequências, as suas hesitações. Se é certo que o homem fez a máscara, não menos certo que a máscara faz o homem. Durante horas consecutivas folheei, consultei livros de figurinos, tratados de indumentárias, calhamaços de História. As minhas dúvidas, longe de se dissiparem, avolumavam-se. Entre a folha de parra do Adão e a farda de hussard do cavaleiro de Tahault, desde a cabeleira empoada de Luís XV ao nariz vermelho de Polichinelo - os meus olhos e, mais ainda, o meu espíritos oscilavam, hesitavam sem saber por onde decidir-se. Em meia dúzia de dias envelheci meses - e acabei por entregar-me nas mãos experimentadas de um costumier. Mal entrei, um homem grisalho, de óculos, enfiado numa espécie de guarda-pó cinzento, dirigiu-se para mim e perguntou-me, com a maior naturalidade do mundo:
-. Que deseja?
- Mascarar-me.
- E de quê, meu caro senhor?
- Não sei. Daquilo que me ficar melhor ...
O homem sorriu, pediu-me que entrasse para o gabinete das provas, disse-me que ia buscar o que lhe parecia mais conveniente para a minha idade e, sobretudo, para a minha figura - e saíu. Passaram-se talvez cinco minutos e, quando eu, me preparava para acender um cigarro, a porta abriu-se; o homem voltou, ajoujado de fatos, de chapéus, de cabeleiras, de pares de botas; atirou tudo aquilo para um sofá e exclamou:
- Vamos provar.
Durante duas horas, meu amigo, naquele pequeno gabinete, eu tive a fantasia de passar por tudo, desde a opulência real de D. João V até ao gibão humilde de Sancho Pança. Eu sei lá a infinidade de coisas que enfiei naquelas duas horas! Às capas negras sucediam as casacas de sêda, às cabeleiras empoadas os sombreiros de veludo, às espadas de ferro os bastões de Limoges. Num abrir e fechar de olhos, passava do século XVIII para o século XIII, do século XIX para o século XVII. Terminei por não saber quem era, se rei, se vassalo, se Pierrot - se eu próprio. A certa altura, não pude mais. Resolvi o caso. Vim-me embora.
- O quê? Você desistiu de se mascarar?
- Desisti.
-?
- Acabei por convencer-me que a melhor máscara é ainda aquela que nós usamos habitualmente. E fui de casaca ao baile masqué ... (O Sofá Cor de Rosa pág. 51 a 54)

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