Tuesday, April 21, 2009

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1896 (Simões Junior, Celso Hermínio, Leal da Câmara...)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Algo mudava na imprensa portuguesa, em que os próprios jornais 'sérios' noticiosos começavam a publicar suplementos ilustrados ocasionais, onde surgiam os caricaturistas a publicarem seus trabalhos nas páginas do corpo principal, como é o caso do "Comércio do Porto", do "Diário de Notícias", e em breve "O Século".
Isso verificava-se não com a colaboração de Raphael que trouxe o respeito por esta arte, mas também pelo aparecimento de novos humoristas que não estavam agarrados a um jornal, sua propriedade, mas que se procuravam assalariar nos jornais existentes, fazendo alguns deles estas actividade de forma paralela a uma outra profissão, como é o caso de Simões Júnior.
António de Oliveira Simões Júnior era um portuense (nado e morto nesta cidade 11/12/1875 - 19/5/1903), despachante da Alfândega do Porto de profissão, que saiu do anonimato da sua profissão burocrática e cinzenta, pela mordacidade do traço anti-monarquico e anticlerical que impôs na caricatura portuguesa do fim do século. Apesar de ter frequentado a Academia Portuense de Belas-Artes, era fundamentalmente um auto-didacta. Pode-se considerar um raphaelista, contudo o seu traço mais sintético e decorativo, bebe um pouco a influência de Julião Machado, e principalmente das influências dos gráficos art-nouveau que ilustravam além fronteiras as revistas que por cá chegavam. Criou um estilo decorativo e agradável, onde o lado plástico cativante dava um novo elan à paginação dos jornaisContrapondo a essa docilidade estilística, a essa beleza decorativa, a sua sátira era directa e incisiva, principal­mente no referente aos ataques à Igreja, onde ficaram célebres as suas charges aos “Serões nos Conventos" em "A Algazarra". Mas para mais informação recorremo-nos mais uma vez de Alberto Meira, e os seus Verbetes Biográficos em "O Tripeiro": «Simões Júnior, como se designava e como ficou conhecido, apresentou-se pela primeira vez ao público nas páginas do semanário "Charivari", volumes X, XI e XII de 1895 a 1897, e , simultaneamente, em 1896, colaborou no quinzenário de Lisboa "Branco e Negro" e n' "Os Pontos", semanário portuense.»
«Em 1900 há desenhos seus n' “Algazarra" e desde esse mesmo ano até 1903, aparece-nos, por vezes, nas páginas d' “Ilustração Moderna". /…/Por meados de 1902 Simões Júnior acompanhou com o seu lápis, durante algum tempo, no «Jornal de Notícias» o popular «De raspão», de Sá de Albergaria.»«Em 1 de Março de 1902 surge «O Pagode», tendo o nosso artista como seu ilustrador até que a morte, decorrido pouco mais de um ano, aniquilou para sempre este apreciável temperamento de humorista.»
«Quem o julgasse pelos seus trabalhos - lia-se em certa notícia do seu falecimento - supunha-se um Artista cheio de pujança e de vida. Almal era um doente, que há muito tempo vinha lutando com a terrível doença que o vitimou e que, tomando nestes últimos dias o carácter de galopante, completou a total ruína do seu organismo combalido».
«Não tinha sequer vinte e oito anos, deixando-nos uma obra que se recorda com muito agrado.»
Em 1896, a ruptura gráfica de Celso Hermínio continua. A 9 de Fevereiro surge "O Berro", onde João Chagas surge como colaborador literário.
«PARA QUE SAIBAM - Isto não é um jornal é um Berro!»
«Rugido humano ao céu sem culpa, contra a nefanda canalha que elle cobre.»
«E se o bramir sahe cascalho em rizo, é porque há que crystallisar em chasco, o que devia entornar-se em insolência, é porque há que dissimular o rancor sério, sob o látego caustico da troça.»«Vale mais um beliscão que um tiro, para exautorar a Vaidade e exhibir-lhe a funambula caraça, à multidão sem dó.»
«Em cada tenda há que berrar o nome à Gran-Comedia, annunciar com falácias diplomáticas, o que lhe vae no ventre em podridão, e expor à turba attonita as pernas das mulheres e os feitos dos heróis.»
«Por entre a ancia da turba rubra, sem echo no motim poeirento onde se abocam os truões, e se cuspinham os caracteres, berre-se ao menos.»
«Berre-se: que a orientação política tem o cunho das cínicas torpezas; que se vendem as filhas por veneras e que se vende a Opinião por títulos; e que, no subir injusto do mandão, degrau pisado é degrau damnado; que se não faz com trabalho e gloria immensa, faz-se com pederastia! Berre-se...» (texto assinado por Arnaldo Fonseca)
Celso procura ser um acérrimo, e contundente crítico, não atacando os momentos políticos, mas as estruturas, e os políticos pessoalmente se eles são o sistema, de uma forma até agora nunca vista, na pacata sociedade portuguesa. Logo no primeiro número surge na capa O Tyrano João Franco, onde lhe chamam «Rei dos Ladrões... que tem fígados maus. Tens podridões de cemitério, n'uma polícia de vitupério...» Sucedeu-lhe uma galeria de retratos grotescos dos Braganças, com os poemas épico-satíricos de Guerra Junqueiro (A Pátria), onde D. Carlos é apelidado de «bóia de enxúndia, um zero folgazão, bispote portuguêz com toucinho alemão...»
Inicia-se a grande campanha panfletária contra a dinastia. O panfletarísmo anti-monárquico chega ao ponto de pôr em duvida a autoria dos quadros do rei D. Carlos, um magnífico pintor, mas que na altura as más-línguas diziam serem pintados pelo seu orientador, o pintor Casanova.
Naturalmente este periódico terá uma vida curta, mas esplendorosa. Uma vida de luta por um ideal republicano, uma vida de perseguição em nome da Lei da Rolha, em nome do Juiz Veiga. Como diria Alberto Meira, «o seu lápis contundia as carnes da vítima alvejada. Não era um lápis: era uma moca». Depois de várias querelas, e perseguições após o nº 18 de 27 de Julho de 1896, o Juiz Veiga decide suspender este periódico. Entretanto Celso Hermínio continua a colaborar nos jornais de amigos, ou por encomenda, como a "Revista d' Hoje", "Arte" (de Coimbra), "Branco e Negro", "D. Quixote"...
Primeiro companheiro de carteira, e de boémia, depois de virulência humorística, ao lado de Celso, nesta cruzada satírica surge este ano Leal da Câmara em "D. Quixote".Como breve informação, neste ano para além da continuação do "António Maria", "Charivari", "O Pimpão", "Os Ridículos", vimos surgir o "Os Pontos" (um sucedâneo dos "Pontos e Virgulas"), "Rua da Barroca","Branco e Negro" e "D. Quixote". Ficamos sem saber se na verdade "O Sorvete" se publica a partir de 95, já que não conseguimos encontrar nas Bibliotecas exemplares deste ano.Em dois dos jornais nascidos este ano, surgem as primeiras obras publicadas daquele que será o mais famoso caricaturista além-fronteiras (sem desprimor pela fama de Raphael), não só pela qualidade da sua obra, mas pela sua presença triunfal na capital da cultura europeia - Paris - ao longo de uma década. Falo naturalmente de Leal da Câmara.
Filho de um oficial expedicionário e de uma luso-goesa, Tomás Júlio Leal da Câmara nasceu a 30/11/1876, em Pangim (Goa), e virá a morrer na Rinchoa em 1948. Em breve virá para a metrópole (1880), e em Lisboa, já órfão de pai, resiste à Agronomia e Veterinária, para onde a família o encaminhava, preferindo tratar da «saúde» dos animais políticos, e parasitas sociais, através do microscópio da caricatura, seguindo o seu lema «comentar, causticando».Desde muito cedo que a sua veia satírica se tinha manifestado, e aos 11 anos publicava um jornal estudantil denominado "Liceu Illustrado". Entre 1887 e 96 colabora em diversas publicações como "O Pucha", "Revista Nova", "Deus, Pátria, Rei", "A Nação", ''Jornal de Arte e Crítica, "O Castanheiro", "O Petiz", "O Inferno"...
Naturalmente as influências exercidas provinham de Raphael, aligeiradas por uma insipiência de mão de adolescente. Não sabemos qual a influência de Celso na sua evolução estética, mas certamente houve-a no campo satírico. Em relação ao traço, talvez a agressividade linear de Celso o tenha fascinado, só que o seu pensamento mais ordenado, e estilizado, terá sintetizado essa agressividade quase barroca. O traço, muito pueril, mas irreverente, que surge em 1896 no "D. Quixote" (em parceria com Celso, Augusto Pina, Roque Gameiro) em breve se consolidará numa caligrafia expressionista, complementando a ruptura estética de Celso com o raphaelismo, e cimentando o panfletarismo satírico, entrando também ele em confronto directo com o regime, com o Juiz Veiga (Francisco Maria da Veiga), com o Rei.
A sua relação com este Juiz será de franca convivência, já que em breve os seus periódicos seriam «o de maior circulação em todo... o Governo Civil». Como ele narra à sua mãe em carta, para a tranquilizar, ele ia frequentemente 'falar' com o Juiz: «O Veiga mandou chamar-me para não fazer os desenhos que fiz tão agressivos neste número. Lá o convenci depois de certo tempo gasto em floreados de amabilidades e por fim decidiu-se sair o jornal como estava mais uma legenda que de modo nenhum ele queria deixar sair».
Estas 'conversas em família’ não eram assim tão amáveis como ele as descreve, e em breve a mão da opressão far-se-ia sentir mais contundente.
Aborrecido com o ambiente político, e perante a excelente proposta de um jornal brasileiro, Celso Hermínio parte para o Brasil, por onde ficaria dois anos.

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